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Outras Ondas* – Para que serve um sintoma

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Comemoramos diariamente os avanços na área da saúde. Cientistas investem tempo e dinheiro em busca de diagnósticos cada vez mais precisos, apostamos em tratamentos complexos, acreditamos piamente nas medicações e nos dedicamo cada vez mais a uma vida asséptica como forma de prevenção. Esquecemos, porém, muitas vezes de enxergar que a causa das doenças está correlacionada às nossas emoções e afetos. Ignoramos a íntima relação existente entre a alma (psique) e o corpo (soma), base da abordagem psicossomática dos sintomas.

Males físicos causam neuroses, ou o contrário? Esse paradoxo tem como base a relação psicobiossocial que compõe a existência humana. O entendimento do homem como um ser complexo nos leva a crer que a separação entre corpo e mente é ilusória. O cientificismo é capaz de promover essa separação na teoria. Mas a prática nos mostra a grande interferência entre si. Trafegando entre os dois fatores, temos os sintomas como uma linguagem simbólica de expressão. Jung dizia que os deuses mitológicos não estão mortos, mas que eles se transformaram em sintomas. A partir da análise dos mesmos, conseguimos encontrar grandes paralelos entre eles e os desajustes psíquicos que carregamos.

A doença funciona, então, como um caminho para que aspectos inconscientes ganhem expressão e possam nos levar a um desenvolvimento psíquico. Ou seja, toda doença tem em si uma finalidade. O estudo da psicossomática ficou estigmatizado como uma interpretação subjetiva dos sintomas, ou seja, quase um oráculo para interpretar distúrbios interiores a partir das marcas presentes no corpo. Obviamente, isso tem o seu valor. Mas é a último estágio da cadeia. O olhar da psicossomática busca reintegrar o homem em seus diferentes aspectos, e, a partir daí, ampliar-lhe a consciência para que possa manter esse estado de integração. Exercita a atenção plena no ser inteiro/integral/holístico como fórmula de bem-viver.

A forma como a psique se expressa a partir do corpo tem forte ligação com a maternagem que recebemos na primeira infância, especialmente até os dois anos. Essa é a fase onde desenvolvemos o cerne da personalidade, da forma como aprendemos a lidar com nossos afetos e emoções. Nesse período, a ausência de linguagem na criança faz com que ela se vincule estritamente à mãe (ou a quem exerça esse papel). A ligação entre elas é simbólica, linear. Ao expressar-se, a criança aguarda uma resposta similar da mãe. Quando não se vê correspondida e acolhida o suficiente, ela poderá cristalizar essa experiência. Isso gerará uma dificuldade na elaboração abstrata das próprias emoções durante toda a vida. Em vez de enfrentar internamente as dificuldades emocionais, ela necessitará de vivências concretas ou sintomas para aprender a lidar com as próprias emoções.

Geralmente, as pessoas que apresentam uma maior tendência à somatização têm características bem definidas. São pessoas com baixa capacidade imaginativa, com déficits criativos e baixo poder fantasioso-construtivo (quando tentam prospectar o futuro de uma situação, não conseguem fazê-lo ou o fazem com pessimismo). Também tendem a uma busca incisiva pela normalidade: querem encontrar uma forma de sentir-se similar aos demais e tendem a querer investigar a fundo a origem dos males que sentem. Quando questionados sobre os próprios sentimentos, têm dificuldade ao tentar diferenciá-los entre si e podem enfrentar períodos de “apatia emocional”. Numa investigação mais elaborada, costumam narrar problemas com a mãe, com histórico de abandono ou negligência.

Mais que uma interpretação de sintomas, a psicossomática ocupa-se principalmente de uma tentativa de remissão das causas psíquicas que ocasionam as doenças. Quando damos a atenção devida aos núcleos inconscientes causadores das patologias, a energia que os mantém perde o fluxo e, vazios, eles perdem a autonomia. Ao olharmos para dentro, promovemos uma espécie de medicina profilática ao corpo. Ao encararmos as doenças como alternativas psíquicas para nosso desenvolvimento, aprendemos a perdoar o sintoma. E entendemos que eles são, na verdade, ferramentas para que possamos nos perdoar e evoluir.

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Dedico esse texto ao pediatra e homeopata Oswaldo Cudizio, meu professor de Psicossomática, responsável por promover em mim muitas dessas reflexões.

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