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Outras Ondas* – Que entrem os bem-vindos

Muitos brasileiros não ficam sem um bom pé de comigo-ninguém-pode próximo à porta de casa. Ou, então, logo do lado da entrada, instalam uma carranca de olhos arregalados e sorriso assustador. A jornalista Glória Maria já declarou ter dois vasos enormes de vidro: um com carvão, outro com sal grosso, bem às vistas de quem chega. Outros mantêm sementes de olho-de-boi em um copo com água, atrás da porta, pelo lado de dentro: quando a semente eclode ou afunda, está na hora de refazer a receita. Na onda do feng shui, espalharam-se nos halls dos partamentos pequenas bolas facetadas de cristal ou espelhinhos oitavados, pendurados acima do olho mágico.

Discretos ou ostensivos, todos esses símbolos têm o mesmo significado: funcionam como um filtro para deter ou repelir energias intrusas que tentem invadir o lar — ambiente sagrado de epouso e alegria, onde somente as pessoas queridas são bem-vindas. A tradição é milenar. No livro de Êxodus, no Antigo Testamento, é o próprio Deus quem ordena marcar as portas das asas com o sangue de um cordeiro entregue em sacrifício. Assim, estariam livres da morte e das pragas.

Entre as casas do interior, é comum encontrarmos uma pequena cruz feita em palha de palmeira ornamentando a soleira. Ela é confeccionada com folhas abençoadas no Domingo de Ramos, que antecede a Páscoa e representa o retorno de Jesus a Jerusalém, antes do martírio. Manifestação do catolicismo popular, capaz de proteger a casa dos males e da fúria dos fenômenos da natureza — era o que dizia minha avó. Outros garantem a eficácia das ferraduras: elas devem ser presas com as pontas para cima para atrair sorte. Senão, atraem o contrário. Xô!

A mezuzá, usada pelos judeus, também é um símbolo que se mantém vivo por milênios. Ela consiste em um pequeno pergaminho em couro, onde estão escritas, à mão, orações. A confecção e fixação na porta da casa obedece a uma série de ritos e restrições. Mais que um simples amuleto, a mezuzá é um símbolo da fé entre os israelitas.

Para os adeptos do candomblé, o batente e a soleira da porta são, por primazia, pertencentes aos orixás Ogun e Exu. Ambos estão associados à defesa contra inimigos e à abertura de caminhos. É de Ogun o mariwô, folhas da palmeira de dendezeiro desfiadas que, presos sobre portas e janelas, impedem a entrada de espíritos perturbadores nas casas e terreiros. Também é comum encontrar espigas de milho adornando os umbrais das portas. Chamam a fartura, garantem os fiéis.

Há alguns anos, recebi de presente uma pequena flauta de bambu que, segundo orientaram, deveria ficar sobre a porta de entrada. A função: dar sinceridade às visitas, para que falem o que pensam, sem crivo, pudores ou falsidades. Anos depois descobri que o instrumento é usado no feng shui para atrair o chi (energia positiva).

O que muitos interpretam como tola superstição cria, na verdade, um conforto psíquico para quem acredita. Ao ver a carranca, o mezuzá ou a flauta, a mente aciona a ideia de proteção e, mesmo que não entendamos como tudo isso funciona, nos sentimos melhores. O que une todas essas crenças (e outras milhares que não couberam aqui) é a fé, a nossa melhor defesa.

* A coluna Outras Ondas é publicada aos domingos no blog da Revista do Correio: www.correiobraziliense.com.br
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