Self

Outras Ondas – Só e em boa companhia


Ia começar a escrever um texto sobre a solidão quando, coincidentemente, me deparo com uma frase atribuída a Frida Kahlo, postada em uma rede social. “Pinto a mim mesma porque sou o assunto que conheço melhor.” Nada mais pertinente ao tema que vou abordar. Pelo personagem, pela justificativa, pela rede social. Virou chavão dizer que vivemos num mundo segregacionista, com pessoas que preferem o isolamento, numa vida tão cheia de tarefas que dificulta a interação. Por outro lado, nunca estivemos tão conectados (ou linkados, para termos uma analogia mais precisa). Afinal, estamos sós, bem ou mal acompanhados?

O isolamento é uma necessidade que se manifesta em diferentes momentos da vida, e com diferentes finalidades. Muitas pessoas usam a solidão para evitar que se revelem. Acreditam que, o desnudar da alma diante de alguém é sinal de vulnerabilidade. O outro pode lhe subtrair as chances da felicidade. Perdem, assim, a possibilidade de entender que a insegurança que ali se manifesta permeia a todos – em maior ou menor grau, em um ou múltiplos campos da vida.

A solidão também pode servir para que pensemos no futuro, ou para que reconheçamos as falhas do passado. Ensimesmados no erro, ou nas expectativas de uma vida ideal, tornamo-nos a nossa pior companhia. Deixamos de tocar na vida real, enquanto dialogamos com vozes e mais vozes que brotam, para nos condenar ou iludir. Nesse “não ata nem desata”, pouco percebemos que o tempo se esvai – e, junto com ele, a chance de efetivar o que verdadeiramente interessa: o sentido da existência.

No extremo oposto está o medo dessas mesmas falas que, de tão incisivas, nos impõem a necessidade de fugir a qualquer custo da solidão. Fugimos da nossa própria companhia, por julgá-la insuficiente ou perigosa. Dissimulamos isso com conversas torpes ou inócuas, que nada acrescentam. Geralmente, não há dificuldade para que encontremos parcerias que simplesmente nos distraiam, sem muito acrescentar, já que muitos sofrem do mesmo problema. A insegurança, os medos e fragilidades são embalados em uma capa de falso otimismo, assepsia e firmeza, somente para enevoar a percepção do outro. Perdemos, assim, a chance de estabelecer um vínculo leal de intimidade e reciprocidade. Ganhamos uma companhia, mas permanecemos sozinhos – e, curiosamente, nos sentimos mais tranquilos assim.

Um novo termo tem sido usado para falar do bem estar que pode ser alcançado quando estamos sós: a solitude. A palavra surge para diferenciar o estado de espírito daquele sentido na solidão – associado a um quê de melancolia, coisa ruim de sentir. A autossuficiência utópica, que por vezes tentamos alcançar, só nos afasta de um dos traços inerentes à condição humana: somos seres tão gregários que, culturalmente, temos por hábito sepultar nossos mortos – dependemos do outro até mesmo quando a vida se encerra.

No silêncio da solidão (ou da solitude, que seja), temos a grande chance de reparar nossas feridas – no duplo sentido da palavra: primeiro, de observação, e segundo, de cuidado e cura. Quando sozinhos conseguimos deixar cessar os ruídos impertinentes, finalmente, ouvimos a voz da alma, aceitamos nossas potências e, com elas, encontramos a solução para problemas até então intransponíveis. Recolher-se é dar chance para que a natureza se manifeste em sua forma mais plena. A exuberância das cores de Frida reflete uma alma forte, intensa e atribulada, que ela aprendeu a conhecer e acatar. Algo que ela só pode reconhecer no isolado movimento da produção artística. E você, com que tintas se pintaria?


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