Self

Outras Ondas* – Somos todos complexados?

O complexo é um dos conceitos mais banalizados da Psicologia Analítica . A maioria das pessoas, no entanto, assume o termo de uma forma generalista, correlacionando-o à repetição de um padrão de comportamento. Mal sabem que a força de um complexo vai bem além disso. Na verdade, ele é uma estrutura indispensável para a manutenção psíquica.

Na denominação junguiana, os complexos são estruturas pertencentes ao inconsciente pessoal. Ele é formado por ideias e imagens que experimentamos ao longo da vida. Esses elementos são amalgamados por afetos, por emoções vivas. Os complexos se expandem na medida em que abarcam novas imagens ou ideias ligadas à mesma temática (representações, pensamentos, fantasias, impressões, lembranças, referências etc.). Ficam mais fortes quando ganham doses extras de carga afetiva, a partir de novas experiências. Assim, vão “engordando” com o passar do tempo. São como organismos vivos, dinâmicos e com autonomia.

O centro de cada complexo é arquetípico, ou seja, relaciona-se ao resultado de todas as experiências da humanidade no que diz respeito a um determinado tema. A melhor forma de compreender é a partir do exemplo. Tomo o complexo materno. Ao nascer, todo o contato que o bebê tiver com a mãe será registrado no inconsciente: as palavras, os gestos, os toques etc. Os afetos (bons e maus) transmitidos por essa mãe serão a “cola”, que transformará todas essas experiências em uma estrutura única, o complexo. Esse sistema vai crescer de acordo com o desenvolvimento do próprio indivíduo, e do contato que ele tiver com aquilo que estiver associado à palavra “mãe”. Além das experiências pessoais com a genitora, acrescente aí as demais referências que se adquire ao longo da vida sobre o tema maternidade: o que experimentamos pela observação das mães dos outros, as mães que vemos na televisão ou em um livro, as imagens das “mães divinas” (como Maria, por exemplo)… Tudo isso formará o complexo materno.

Escolhi o exemplo de propósito, já que o complexo materno é universal, experimentado invariavelmente por todos – até mesmo entre aqueles que nunca conheceram a própria mãe. Nesses casos, o complexo materno será formado a partir da pessoa que exercer os papeis da maternagem: a alimentação, o cuidado, a docilidade, a proteção… Assim, pode ser constituído a partir das experiências com a avó, com a vizinha, com a cuidadora do berçário, ou até mesmo com o pai, se ele desempenhar essas funções.

O nosso complexo mais importante é o ego, o centro da consciência. Ele é o mediador, o ponto de referência entre o mundo interior e exterior, onde se referenciam os traços da personalidade, o corpo e o nome. Começa a ser constituído na infância, quando a criança descobre o “eu”: o uso dessa palavra sinaliza os primeiros indícios de diferenciação, quando começa a se moldar um indivíduo único.

Pela capacidade de autonomia que têm, Jung comparou os complexos a pequenas psiques individuais, ou personalidades secundárias ou parciais. São como gênios, capazes de interferir no ego. Se pudéssemos enxergar o inconsciente pessoal, veríamos os complexos distribuídos como que em uma rede. Apesar de serem organismos individuais, eles tocam uns aos outros, mantendo uma interação constante entre si.

O ego surge como o complexo estrutural da consciência, responsável pela manutenção da unidade do indivíduo. As neuroses surgem quando um outro complexo interfere diretamente nele, provocando-lhe uma limitação de ação. Sempre que tomamos uma atitude estranha demais ao nosso padrão comum, como se num processo automático, estamos sobre esse domínio. É comum, inclusive, nos questionarmos: “não sei como fui capaz disso.” Ou dizermos: “era como se algo tivesse tomado conta de mim”. O complexo é capaz de nos influenciar e interferir nas decisões, mesmo fora da nossa vontade consciente. É praticamente um “encosto”.

Quantos complexos cada pessoa pode ter? A resposta é impossível de ser dada. Percebemos a atuação de alguns a partir do processo de análise, entendemos parte da interação entre eles. Mas nunca temos o conhecimento pleno de todos. Esse entendimento é importante para que não nos tornemos reféns dos complexos – na medida em que conhecemos o mecanismo de ação deles, temos uma possibilidade maior de impedir que atuem. Isso se dá a partir da ampliação da consciência: fortalecemos o ego para que se torne menos suscetível à interferência dos demais complexos.

Costumo dizer que eles são como bombas-relógio instaladas na nossa psique: ao identificarmos o mecanismo de ação, fica mais fácil desarmá-la. Para evitar os danos de uma explosão, o desafio é desarmar o aparato logo que ouvir o primeiro “tic-tac”. Nem sempre é fácil, é verdade. Por isso, quanto mais informações tivermos sobre a bomba, mais fácil será mantê-la sob controle.

Jung dizia que não temos complexos, e, sim, que eles nos têm. O tema é vasto e, como não poderia deixar de ser, bastante complexo. Por esse motivo, voltarei a falar sobre ele em breve.

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