Self

Outras Ondas* – Uma história para contar

Ouvir histórias é um exercício interessante. Para algumas pessoas, é um dom. Para outras, ofício. Há até quem encare como sacrifício. Aprendi muito dessa arte durante os anos dedicados ao jornalismo. Aprendi que é necessário estar atento a cada detalhe que se apresenta nos dramas e nas aventuras dos outros, para poder reproduzi-los com fidelidade e com uma certa poesia. Definitivamente, essa experiência é determinante na minha atual profissão. Um bom psicoterapeuta precisa saber ouvir para entender o momento certo da intervenção, que despertará um novo sentido significador em quem se submete à análise. Os ditos populares, ridicularizados por quem é soberbo à sabedoria popular, ensinam que a natureza foi sábia ao nos dar dois ouvidos e uma boca…

Contar a própria vida deve ser um exercício de prazer, por mais dolorosos que sejam alguns dos capítulos que dela fazem parte. Muitos se desencorajam de fazê-lo por menosprezar os acontecimentos que lhe moldaram. Acham que é uma história sem graça demais para prender o interlocutor. No outro extremo, temos aqueles que dominam o discurso com um eu imperativo, manifesto até mesmo quando não é chamado. O que importa é que, observada com a atenção devida, toda história merece ser contada. Na verdade, uma história só tem validade quando é contada.

É a partir dos exemplos dos outros que aprendemos sobre a vida que queremos viver. Almejamos os bons exemplos, instigantes e incentivadores. Rechaçamos as práticas que não correspondem aos desígnios da nossa alma. Crescemos com o que ouvimos sobre os outros. E, numa retribuição mais que justa, também nos sentimos no dever de mostrar ao outro os caminhos que adotamos, e os desdobramentos que deles surgiram.

Tudo o que vivemos pode ser narrado com um enfoque maior para os sentimentos ou para os fatos, a depender de quem conta. No entanto, não há como antever com precisão como cada ouvinte irá reagir. Não é a nuance entre os fatores subjetivos ou objetivos que determinará isso. Na verdade, a reação se dará pelos afetos que já povoam quem ouve o relato. Quando há ressonância entre eles e a temática em questão, as emoções se mobilizam com mais vigor no corpo psíquico – seja pela identificação com as posturas adotadas pelo interlocutor, ou pela negação das mesmas. O ouvinte será afetado, em maior ou menor grau, por aquilo que lhe chega. Não ficamos indiferentes diante de uma vida. Ao ouvir uma história, seja qual for, somos transformados em alguma instância.

A arte se faz a partir de narrativas da vida humana. Da estética transbordante das virtudes e dissabores humanos surgiu o Museu da Pessoa, uma organização sem fins lucrativos voltada para a coleta e exposição de histórias de pessoas ditas comuns, mas que, observadas de perto, revelam-se especialíssimas. A função maior do projeto é criar um acervo de memória social, ou seja, uma compilação de relatos que auxilie o entendimento do mundo contemporâneo. Fundado em 1991, em São Paulo, o Museu também está presente no Canadá, nos Estados Unidos e em Portugal. No portal da instituição, há espaço para que você também conte a sua história. O endereço virtual é: www.museudapessoa.net.

Seja em um museu, livro ou simplesmente entre os conhecidos, sua história é importante e precisa ser contada. Esse pode ser o seu instrumento para transformar o mundo. Deve-se fazê-lo com a ênfase de quem está diante do resultado de várias conquistas, materiais ou imateriais – estas últimas costumam ser ainda mais valorosas. Orgulhar-se dos acontecimentos que presenciou ou desencadeou, por mais difíceis ou constrangedores que alguns possam parecer ser, é honrar a maravilha de viver.

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