Self

Outras Ondas* – Uma verdade para a vida

Criar os próprios conceitos e ter a convicção para defendê-los é um desafio no processo de desenvolvimento da personalidade. Nesse caminhar, somos influenciados diretamente por todos aqueles que nos atravessam: a sabedoria inquestionável dos professores, o poder de contestação inspirada pelos amigos na juventude, os mestres com quem convivemos no trabalho, os gurus e mentores que seguimos… Cada um nos propicia uma coleção de ensinamentos que copiamos, mesmo sem perceber. E, como quem borda uma colcha de retalhos, moldamos nosso próprio legado.

No entanto, basta uma simples observação do que fomos, somos e queremos ser para que entendamos como esses conceitos se transformam na medida em que o tempo passa. E nos cabe a digna lição de humildade para admitir: não, não estávamos certos. A vida mostrou, por A mais B, que a realidade não era tão nítida como imaginávamos. As soluções não eram tão sábias. A frase de efeito era linda de ser recitada, mas a lição que ela imprimia era difícil demais de ser aplicada na prática. Muitas vezes, nem nos chegava ao pleno entendimento. E agora, o que fazer com tudo isso?

O pensamento tende a querer dominar de forma dura, inflexível, contundente. A crença que atribuímos aos conceitos nos leva a querer cristalizá-los, como quem busca perpetuar algo no tempo. Não é à toa que, no tarot, essa função se expressa no naipe de espadas: o aço frio, pontiagudo, sempre em riste, pronto para cortar as sobras e abrir o caminho para novos conceitos. Mas também aquele que é inflexível, impiedoso e intransigente, que gera dor quando se apresenta de forma assoberbada.

Os conceitos se transformam na medida em que a vida muda. E não há demérito nisso. É justamente o contrário: desde Darwin, aprendemos que a adaptação é aquilo que garante o desenvolvimento e a perpetuidade das espécies. Espertos são os que se permitem mudar. Em nosso psiquismo, funciona da mesma forma. Somos chamados, a cada dia, a experimentar novas formas de enxergar a si próprios e ao mundo que nos envolve. E percebemos que, a cada escolha, mudamos aquilo que somos. Naturalmente, nosso discurso também deve mudar. Definir-se é um exercício de plasticidade.

Olhar para o novo é excitante, mas também denota medo. Da mesma forma, é desafiador substituir as verdades antigas pelas novas – desde já, encare essas com desapego, como quem maneja ferramentas úteis para o hoje, mas que precisarão ser trocadas logo que perderem a utilidade para nossa vida.

Dessa forma, o passado se transforma num mero álbum de retratos, onde buscamos recordações de bons momentos e a memória dos erros que não devem ser cometidos novamente. Não deve ser plano de rota para o futuro, na medida em que percebemos que os nossos objetivos já não são mais os mesmos de antes. Basta lembrar que, ao baterem em sua porta, a pergunta que usualmente é “quem é?”. E nunca “quem foi?”. Até porque o nosso passado não é, certamente, a nossa melhor tradução.

“Nasce um deus. Outros morrem. A Verdade
Nem veio nem se foi: o Erro mudou.
Temos agora uma outra Eternidade,
E era sempre melhor o que passou.

Cega, a Ciência a inútil gleba lavra.
Louca, a Fé vive o sonho do seu culto.
Um novo deus é só uma palavra.
Não procure sem creias: tudo é oculto.
(Natal, Fernando Pessoa).

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