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Área H: Sexo nunca mais

O portal Área H me consultou para uma reportagem sobre assexuados. O resultado está aí:

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Sexo nunca mais

Gênero ou desvio? Saiba por que algumas pessoas abdicam do sexo e veja o que especialistas têm a dizer sobre a assexualidade

Por Danilo Barba

Num universo recheado de publicidade sensual, baladas liberais e periguetes, você já imaginou a vida sem sexo? Enquanto isso pode soar um desperdício para muitos, também não são poucos os que decidem eliminar completamente a relação sexual com parceiras. Se a assexualidade antes era apenas um termo usado nas aulas de biologia para falar da reprodução de amebas, hoje a palavra ganhou bandeira e até identidade.

Representada pela Aven (Asexual Visibility and Education Network), rede que luta pela visibilidade dos assexuados no mundo, abdicar da transa com outras pessoas agora é visto como uma nova orientação sexual. Segundo Breno Rosostolato, professor de psicologia da Faculdade Santa Marcelina, ela deve ser compreendida desta forma porque o assexuado não reprime seus desejos sexuais como os celibatários. “A masturbação, por exemplo, é uma alternativa para a excitação, cuja ejaculação possui efeito aliviador e diminui o estresse. O autoerotismo dispensa a relação com o outro e a atuação da libido é presente, satisfazendo a excitação”, explica ele.

Apesar do DSM (Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders), catálogo de doenças mentais da associação americana de psiquiatria, classificar este comportamento como Desordem do Desejo Sexual Hipoativo — considerada um desvio — Rosostolato é categórico: “assexualidade não é uma doença, mas uma escolha”.

Mas, afinal de contas, o que leva alguém a erradicar de sua rotina algo que promove tantos benefícios para a mente e o corpo? Bem, de acordo com o professor, a coisa é mais complexa do que parece. Ele esclarece que existem grupos na assexualidade, como os românticos ou libidinosos, que se permitem a atração romântica e conseguem se envolver com outras pessoas, namorar e até casar. O envolvimento é puramente afetivo e o sexo apenas com o intuito de procriar. Já os não-românticos não possuem intimidade física ou troca de carícias — se caracterizam pela ausência de desejo, onde o envolvimento amoroso não é permitido.

“De um modo geral, os assexuados sofrem muito preconceito e são discriminados por suas escolhas. O sentimento de culpa é atormentador e angustiante, imputado por uma sociedade carente de afeto. Nos dias de hoje, fazer sexo e ser libidinoso são obrigações e, por isso, sofrem distorções. O prazer pode ser destinado a outros setores da vida como o trabalho, exercícios físicos ou aos cuidados dos filhos, isso para ficar em alguns exemplos. É um erro restringir a libido ao sexo”, defende Rosostolato.

Por outro lado, embora o psicoterapeuta junguiano João Rafael Torres concorde em parte com o professor de psicologia, ele não descarta as experiências traumáticas, visões distorcidas da sexualidade e dogmas religiosos que “participam bastante desse comportamento”, afirma. Segundo Torres, o fato dos assexuados se unirem sob uma bandeira não altera em nada as motivações que os levaram a esta opção de comportamento. Para ele, na maioria dos casos, experiências traumáticas são responsáveis pela suspensão da vida sexual em algum momento da vida — o que é comprovado pelo retorno do desejo após a superação.

“No entanto, é interessante porque eles não praticam sexo mas gastam um bom tempo com a temática sexual — alimentando fóruns, buscando iguais etc. Não seria isso uma forma compensatória para uma vivência sexual insatisfatória ou inexistente?”, desafia o terapeuta. Para ele o sexo não deve ser uma obrigação, e o que importa é se a prática (ou a não-prática) respalda o indivíduo com segurança, sentido existencial, bem estar e integração de valores.

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Clique aqui para ler a reportagem no site Área H.

Outras Ondas: Uma avenida chamada Brasil

Milhões de brasileiros atendem fielmente ao soar que ecoa todas as noites, em lares, bares e afins: oi oi oi! Todos se rendem ao mais recente e intenso fenômeno da televisão brasileira, a novela Avenida Brasil , palco das peripécias de Nina, Carminha e companhia. O tema invade, sem resistência, as conversas entre amigos, redes sociais. Gera ótimas sátiras – como a do jornal carioca Extra, que, na última quinta-feira, identificou os personagens do mensalão com a trama. A mídia e os próprios telespectadores se perguntam: mas por que tanto sucesso? Certamente, pelo “efeito espelho” que a trama de João Emanuel Carneiro propicia.

A adesão do público não está na velocidade da trama, como apostam muitos críticos. O que fideliza quem assiste à novela é a emoção fluida dos personagens. É óbvio que, como em toda criação artística, o exagero caricatural participa da construção das falas e dos trejeitos. Mas todos ali são possíveis: manifestam o que somos, quem conhecemos ou, no mínimo, o que fantasiamos como ideal de realização.

Ao aplaudir uma mocinha capaz de roubar, dissimular e extorquir, o público está acatando um fato irrefutável: o mal não é um ente alheio à nossa alma. A vingança de Nina, apesar de uma gritaria excessiva, propicia a todos uma deliciosa sensação de alívio. Vê-se ali a vontade cotidiana de revanche, que todos os dias enfrentamos ou precisamos sufocar. Essa projeção é a base da arte: a catarse, o movimento que nos unifica em torno de um mesmo tema, dando-nos uma grata sensação de fraternidade: emoções nos atravessam de forma muito semelhante, o que nos oferece o conforto do pertencimento.

A sede de poder permeia todos os meios, do Divino à Zona Sul. Uns se satisfazem com pequenas conquistas, enquanto outros cobiçam grandes reinos: a notoriedade, a sedução, o dinheiro, o comando sobre a vida dos demais. Jung dizia que uma relação pautada pelo poder jamais conhecerá o amor. Ou seja, fica difícil perceber na trama relações sinceras, desmotivadas por uma necessidade de privilégio diante dos demais. Enxergo, parcialmente, esse desapego em Mãe Lucinda, por cuidar de crianças indigentes por anos a fio – embora saiba eu que, mais cedo ou mais tarde, seremos surpeendidos com a verdadeira motivação para tamanho altruísmo…

O exemplo mais claro dessas relações compromissadas está na forma como a empregada Janaína trata sua diarista: sem pestanejar, desconta suas querelas, humilhando a funcionária com as mesmas humilhações que sofre. Repete gestos e palavras sem se dar conta do que faz: um verdadeiro culto à patroa Carminha, a quem veladamente inveja. Uma aula primorosa do conceito junguiano de sombra: preste atenção naquilo que mais o incomoda nos outros e, com o tempo, você perceberá que os defeitos eram mais seus do que deles.

Para validar a sede pelo poder, nada melhor que a esperteza. Afinal, o Brasil não é o país dos espertos? O engano e a trapaça se manifestam a cada capítulo. A sinceridade não é bem-vinda em Avenida Brasil . Basta ver Adauto, Ivana e Débora: todos bonzinhos “de dar dó” – ou seja, despreparados para enfrentar a selvageria urbana, à qual os demais parecem estar mais aptos para conviver. Mas qual seria mesmo o ponto que separa a aptidão da frieza e da crueldade?

Sou, confesso, um dos milhões lá do primeiro parágrafo – daqueles que só dispensaAvenida Brasil quando estou diante de um compromisso profissional. Assim, escreveria por horas, personagem a personagem. O que mais me liga à trama é o potencial de humanidade que ela traduz. Assisto por compreender que a novela reflete diretamente uma série de lições, com as quais convivemos diariamente: os limites dos afetos, a força da improbabilidade, as múltiplas faces que construímos para sobreviver. E, principalmente, assisto para ter a amostra diária da ação devastadora das relações pautadas pelo poder.

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A capa do Extra:

Outras Ondas* – O ser e o estar

Nossa vida é feita de papeis que devemos cumprir. Aprendemos a pertencer a um gênero, a sermos bons filhos, a desenvolver uma profissão, a nutrir uma religião, a transmitir valores aos descendentes… Tornamo-nos uma mescla de personagens, dispostos a atender expectativas que a vida nos deposita. Em geral, promovemos essa variação de papeis com maestria: assumimos a máscara mais condizente com cada situação, como era a prática nos teatros antigos. E quando não conseguimos ser hábeis o suficiente para alternar entre as máscaras?

A identificação excessiva com uma determinada função social sempre nos leva a uma visão distorcida da realidade. Confundimo-nos com o personagem, só conseguimos enxergar a realidade a partir dos olhos dele. Nutrimos expectativas referentes a esse papel, cremos que ele é a nossa única forma de realização e felicidade. Restringimos nosso papel diante do mundo: nos tornamos especialistas, em vez de plurais.

Em geral, a máscara que se cristaliza diante da face é aquela que julgamos oferecer a maior recompensa pelo reconhecimento: a melhor mãe do mundo, o médico mais respeitado, a fiel mais devota, o mais descolado dos amigos… Se questionados por outrem, não hesitamos em dizer: somos os mais felizes justamente por termos tais títulos, seguimos incansáveis.

No entanto, para que tal máscara se mantenha impecavelmente lustrada, dispomo-nos a um sacrifício de outros fatores da vida. A mãe deixa de ser mulher, o médico se distancia da realidade, o fiel ignora as delícias mundanas, o descolado precisa ter sempre as tiradas mais libertárias, mesmo no dia em que as adversidades da vida extinguem o bom humor. Em alguns momentos, cada um desses títulos nos transforma em alguém especial, venerável. Se vividos vinte e quatro horas por dia, o motivo de orgulho transforma-se num fardo. O desejo íntimo é de um refúgio, de férias de si mesmo.

Sempre que um papel social se sobressai ao extremo, que somos reconhecidos por um atributo e não pelo que verdadeiramente somos, precisamos refletir. Qual a autoimagem que tenho? Quais são os propósitos que alimento fora dessa instância onde reino? Muitos temem esse exercício, justamente por não quererem encarar que a alma está empobrecida. Condicionar nossa felicidade e bem estar a uma única fonte é bastante arriscado. Se não formos infalíveis, encontraremos a frustração na esquina e vamos sucumbir. Uma dica: ninguém é infalível, por melhor e mais dedicado que seja.

O primeiro passo para promover o tal enriquecimento interior é reconhecer que o custo-benefício que o papel tão bem cultivado já não atende às nossas expectativas existenciais. Somos mais que isso. Não é um exercício fácil, afinal já estamos muito bem condicionados a responder diante disso. E também, na medida em que alimentamos tal imagem, despertamos expectativas nos outros. Mesmo que seja somente para que aliviemos suas angústias, facilitando-lhes a vida e limitando-lhes a chance de crescer com as adversidades da vida – uma postura um tanto egoísta, vamos combinar. É uma questão de escolha: a quem preferimos frustrar, os outros ou nós mesmos?

Descobrir-se diferente não é renegar os títulos que tanto nos promoveram o desenvolvimento. Não é preciso agir com ingratidão. A ideia é cultivar o respeito aos anseios, ao desejo de expansão. Os títulos que forem realmente seus vão permanecer, pode acreditar. Os que não ficarem… Bem, aquilo não era você.

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Também é importante perceber que nem todas as máscaras que nutrimos são positivas ou construtivas. Muitas vezes, nos atrelamos papeis como o “injustiçado”, o “desqualificado”, o “menos capaz”. Até mesmo nessa associação com a vítima encontramos uma gratificação. Mas isso é tema para outra conversa.

Outras Ondas* – Com que roupa eu vou?

O brasileiro tem na alegria uma das suas marcas diante do mundo. Grande parte desse estigma é resultado do carnaval. A festa é profana, mas tem intensa conotação religiosa: é o momento de cometer excessos, pois em seguida é preciso enfrentar a reclusão e o sacrifício, que antecedem a Páscoa. A felicidade se manifesta na expressão do corpo. É época de acumular os pecados que serão expurgados durante as privações da Quaresma.

Até mesmo quem não é cristão se aproveita, e muito, do carnaval. Cada um escolhe uma fantasia para poder expressar os conteúdos internos mais inconfessos. Nesse período, machão se traveste de mulher, franzino encarna gladiador, Sandy vira devassa. Preconceitos se rebaixam. Nos trajes, a criatividade expressa o que a alma inveja, ao menos por um dia.

O uso das fantasias remota à arte do teatro antigo. Nele, as vestes e as máscaras davam ao ator a potência especial da interpretação: em um instante, a personalidade dava espaço a um ente desconhecido, com voz e pensamentos próprios, capaz de surpreender os demais pela naturalidade e autenticidade dos gestos. No período clássico, tais máscaras eram denominadas com o termo latino “persona”.

Jung aproveitou o termo para designar o instrumento psíquico que usamos para confrontar o mundo. Ela não representa o que somos em essência, mas sim a forma como queremos ser vistos. Tem, assim, uma dupla função: de interação com os outros e, ao mesmo tempo, uma defesa desses mesmos outros. Podemos ter tantas personas quantos forem os papeis sociais que precisamos desempenhar: uma para a família, outra profissional, uma no contexto religioso, outra na reunião de condomínio… Uma pessoa com personalidade bem estruturada sabe encontrar a hora certa de usá-las, variá-las e substituí-las. Outros podem ter um apego demasiado a uma determinada persona. Cristaliza-se assim como um personagem predominante, uma espécie de caricatura de si mesmo.

O exercício de amadurecimento da personalidade pode ser comparado a um descarte dessas máscaras ao longo da vida, ou, ao menos, de uma semelhança maior entre elas e a verdadeira essência do EU – é como se, com o passar do tempo, elas se tornassem cada vez mais transparentes.

No carnaval, o exercício das fantasias é de abandonar as personas mais usuais e dar espaço àquelas que são utópicas. Porém, olhando de perto, é sempre possível encontrar uma relação entre a essência do indivíduo e a fantasia que escolhe para usar. Nelas, encontra-se a permissão necessária para reconhecer e revelar o avesso. Também é a chance de assumir o improvável que se admira, o que se encontra distante demais das possibilidades reais. E assim se espalham milhares de super-heróis e personalidades memoráveis pelo salão. A fantasia também é instrumento de sátira, de escárnio àqueles que criticamos – são as ditas fantasias de protesto. Se optar por uma dessas, pergunte-se também: para que assumir um papel que tanto repudio? O que isso tem a dizer de mim? Oportunidade mais saudável não há para revelar-se o que carregamos por dentro.

Ao fim do reinado de Momo, somos chamados a rasgar a fantasia e guardar os guizos no coração, como diz a marchinha de Lamartine Babo. A realidade se reestabelece e cada indivíduo é chamado a retomar às velhas máscaras, às personas corriqueiras. Porém, com o entusiasmo de saber que é possível transformar-se em outro (ou outros) – algo que inspira às mudanças que queremos processar ao longo do ano. O carnaval nos treina a diversidade do ser.

Que sei eu do que serei, eu que não sei o que sou?
Ser o que penso? Mas penso ser tanta coisa!
E há tantos que pensam ser a mesma coisa que não pode haver tantos! (…)
Fiz de mim o que não soube,
E o que podia fazer de mim não o fiz.
O dominó que eu vesti era errado.
Conheceram-me logo por quem não era e não desmenti, e perdi-me.
Quando quis tirar a máscara,
Estava pregada à cara.
Quando a tirei e me vi ao espelho
Já tinha envelhecido.

(Cit. Tabacaria, Álvaro de Campos, 1928)

Outras Ondas* – Banidos do paraíso

“E lhe deu esta ordem: de toda árvore do jardim comerás livremente, mas da árvore do conhecimento do bem e do mal não comerás; porque no dia em que delas comeres, certamente morrerás. (…) vendo a mulher que a árvore era boa para se comer, agradável aos olhos, e árvore desejável para dar entendimento, tomou-lhe o fruto e comeu, e deu também ao marido, e ele comeu. Abriram-se, então, os olhos de ambos; e, percebendo que estavam nus, coseram folhas de figueira, e fizeram cintas para si”.

O mito de Adão e Eva, protagonistas da criação na cultura judaico-cristã, vai além de uma explicação religiosa sobre o surgimento da humanidade. A linguagem simbólica presente nas escrituras bíblicas também nos apontam para o sacrifício inevitável à ampliação da consciência.

O fruto do conhecimento é descrito, antes de tudo, como algo bastante perigoso: ao simplesmente tocá-lo, o homem ganha a capacidade do discernimento entre o bem e o mal das coisas – e, obviamente, de si próprio. Ganhamos, com ele, a chance de discernir e julgar. Passamos a atribuir valores ao que nos cerca.
Tais atributos são despertados no homem graças à influência da serpente. No texto bíblico, ela não é apresentada como o demônio, mas sim como um fruto da criação divina – “o mais sagaz dos animais selvagens”. Ela oferece à mulher a tentadora chance de aproximar-se a Deus. Ele reinava como único detentor do poder do entendimento. Comendo do fruto, podemos entendê-lo melhor, pois sentimos a força de Sua plenitude.

Mas, antes de qualquer maravilha, a primeira percepção do homem ao comer do fruto do conhecimento é perceber a própria vulnerabilidade, expressa pela nudez. Estar despido nos remete à inocência e à naturalidade. Mas, desde Adão e Eva, interpretamos tamanha transparência como fragilidade. Ganhamos roupas, que nos protegem do julgamento alheio e promove a interação entre os iguais sem a exposição crua da intimidade.

Jung chamou essas “roupas” de personas – termo vindo do latim, usado para designar as máscaras usadas por atores na antiguidade. As máscaras são tão múltiplas quanto são os nossos campos de interação com os demais: a profissional, a amiga, a mãe, a religiosa, a ativista, a vizinha… Mudam constantemente a partir do que a situação exige. Deus presenteia o casal primogênito com peles de animais que deverão ser usadas a partir de então. Uma imagem bastante significativa: ao “nos vestirmos de animais”, associamos simbolicamente atributos inerentes aos mesmos. Tal assimilação é a base de diversas culturas religiosas primitivas. Entre elas, a dos xamãs. O exercício da consciência passa também pelo reconhecimento de cada uma dessas personas: o quanto são parecidas entre si, as dificuldades que temos em trocá-las e a confusão entre o que representam e o que realmente somos.

A morte presente na advertência de Deus sobre a árvore do conhecimento está relacionada ao fim da inocência. Ela nos limita, mas também protege. Quando somos tocados pela consciência, somos chamados a agir. Os olhos abertos não veem somente a própria nudez, mas avaliamos o cenário que nos envolve. Com tamanha percepção, fica impossível continuar vivendo no Éden. Banidos, Adão e Eva passam a observar a completude do paraíso como um desejo inalcançável, protegido por anjos que impunham espadas. Instigante, mas perigoso – assim como era a Árvore da Vida.

A consciência também impõe sobre os dois grandes sacrifícios. Para Adão, a necessidade do trabalho (“do suor do rosto comerás o teu pão”) e a consciência da morte (“até que tornes à terra, pois dela foste formado: porque tu és pó e ao pó tornarás”). Eva foi condenada a sofrer com os sofrimentos da gravidez e a dor do parto, além da submissão ao marido.

A serpente, pivô do rompimento entre Deus e homens, também recebeu punições severas. Ganhou o título de o mais vil dos animais, maldito entre todos os demais, e de eterna inimiga da mulher. Uma imagem intrigante: aquela que seduz é também a que mais amedronta o feminino. Não é a toa que a cobra e o falo estão sempre tão associados…

No mito, foi somente quando Adão e Eva foram expulsos do paraíso que puderam perceber os atributos da humanidade. Ganharam ali o livre arbítrio, a capacidade de decidir e, consequentemente, a necessidade de lidar com os resultados de cada decisão. Despertar a consciência é um exercício angustiante, mas compensador. A reflexão nos ensina sobre limites e virtudes. Se nos bane do paraíso, favorece o verdadeiro desenvolvimento. Herdamos, todos nós, as penas impostas dos pais míticos da humanidade. Mas também deles ganhamos a chance de explorar o mundo e de nos superarmos diante das adversidades. O fruto do conhecimento é doce e gratificante o suficiente para que deixemos de experimentá-lo.

* Outras Ondas é publicada aos domingos no blog da Revista do Correio: www.correiobraziliense.com.br

nivas gallo