crédito: Michael Melo/Metrópoles
Jung nos ensina que o amor e o poder não podem coexistir num mesmo ambiente. Sempre que as diferenças são ressaltadas numa espécie de qualificação, fica complicado ter uma atitude de aceitação, compreensão, inclusão, respeito. Seja por si, seja pelo outro.
Na clínica, vemos essa premissa ser aplicada nos mais diversos campos da existência humana: relações profissionais, conjugais, familiares, religiosas. O poder quase sempre é a base para o sofrimento, justamente por não dispor, ao outro, a capacidade de observar as diferenças de seu semelhante sem, com isso, ter de impor sobre ele uma cobrança, uma medição.
O momento político que atravessamos é um reflexo explícito disso. O poder chamou para perto, cada vez mais perto, o desamor. Chamou também a incapacidade de pertencimento, de unificação, de um propósito comum.
O vigente, ao que parece, é ganhar mais, para quem tem acesso aos dividendos e quer detê-los para se tornar ainda mais poderoso. Ou ter razão, para quem acompanha de longe e, iludido, sente-se no dever de defender algum possível injustiçado.
Independentemente do papel que se seja capaz de assumir, o que mais fica evidente é a incapacidade de empatia – a porta do amor. Especialmente com quem não tem condição de defender os próprios direitos, por ter a voz negada.
Não se fala mais nas intoxicações provocadas em Mariana, nem nas calamidades da seca no semiárido. Tampouco no travesti assassinado e ridicularizado no vídeo do WhatsApp. Nem no jovem negro, condenado como traficante a 11 anos de prisão por portar um frasco de desinfetante. Nem na criança morta pela falta de assistência médica.
Estamos indignados com a falência dos nossos poderes – Legislativo, Executivo e Judiciário – por ainda acreditarmos que neles estaria a solução para nossas mazelas. De fato, nossa descrença maior está na capacidade transformadora do amor. Talvez por ainda associarmos a este afeto um tom meloso, em tons pastéis, um tanto passivo.
Amar o Brasil é mais que defender um partido político, uma ideologia, uma religião. Ou, até mesmo, o nosso território conquistado – seja ele um quadradinho ou um grande feudo. Para exercer esse amor, temos de estar dispostos a abraçar o sujo, o empoeirado, o enlameado, o desdentado.
Esses representam uma das grandes sombras que queremos evitar. Falam da rejeição, da falência, do insucesso, da senzala, do incapacitado, do doente, do imperfeito. Queremos consertá-los, num higienismo hipócrita de quem melhora a realidade usando a denegação: “Se eu fechar os olhos, o problema deixa de existir”.
E assim vemos cracolândias dispersadas, crimes indulgenciados por delação e o argumento de comparação do mal maior com o mal menor. No lugar disso, deveríamos simplesmente ouvir o velho Jung: “O melhor trabalho político, social e espiritual que podemos fazer é parar de projetar nossas sombras nos outros”.