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Psique: Estamos muito deslumbrados com esse negócio de ostentação

crédito: Metrópoles

Golden rings collection

Uma rosca caseira, vendida por centavos, numa feira popular. Foi no sonho de uma paciente que a imagem apareceu. E, quando olhamos bem para ela, percebemos juntos o quanto dificultamos a vida, na medida em que buscamos incrementar demais aquilo que é simples. Para minha cliente, seria um luxo poder degustar novamente aquele sabor, naquele momento. Encantado pela descrição, luxuoso para mim seria experimentá-lo.

A verdadeira riqueza não está somente no glamour vendido pelas revistas de celebridades – quase nunca custeados pelas próprias, e sim por patrocinadores, interessados fisgar incautos, seduzidos pela imagem. Estamos muito deslumbrados com esse negócio de ostentação, já ficou até feio. Da mesma forma, não cremos mais no que é feito para durar, acostumamo-nos que tudo é substituível. Do celular às pessoas.

 

Catálogos de bem estar
O mais assustador é a facilidade com que tudo isso se dá. Quando, lá pelo fim dos anos 90, a Organização Mundial de Saúde previu que a depressão seria a doença do século 21. Concordo com a gravidade do tema, mas parcialmente. Talvez a OMS não vislumbrassse nesse levantamento a popularização dos smartphones e seus recheios, especialmente as redes sociais.

Quando esse fator entra na conta, a ansiedade cresce bem nesse páreo. E os transtornos de ansiedade podem alavancar as estatísticas de depressão. A compulsão engrossa esse caldo. Assim como ocorre na internet, na psique tudo se conecta. Doenças, inclusive.

Afinal, temos nos instagrans, facebooks e afins um catálogo daquilo que representa bem estar – e para mostrar como, apesar do que fizermos, estamos distantes dele. Esquecemo-nos, somente, que representações são correspondências. A imagem não é o deus encarnado, é apenas uma maneira de ter dele uma referência.

Quando olhamos para o mundo virtual, os personagens que observamos (e muitas vezes cremos ser ou existir) estão sempre cercados por uma série de conquistas e demandas-a-conquistar.

A casa linda, a viagem incrível, a roupa exclusiva, o corpo desejável, a relação completa, o filho esperto, a ideia sagaz, o humor cativante. Difícil mesmo é conseguir conciliar imagem e ação, expectativas e realizações. Cedemos nossa imagem a um personagem que aponta o dedo para o que nos deprecia. Crueldade maior não há.

Saber desfrutar
Viver bem se confunde com aquilo que temos angariado. E que, muitas vezes, sequer conseguimos desfrutar. Não por uma limitação cognitiva, absolutamente. Mas por não ter envolvimento, por falta de identificação ou correspondência. Não tem um afeto maior e genuíno que ligue a pessoa a tal objeto, cenário ou situação. A não ser o sentimento de pertencimento a um ideal: “com isso, serei feliz”. Ah, a velha ideia da felicidade, o motor que impulsiona tantos sistemas perniciosos…

Quando focamos naquilo que faz falta, tomamos distância das noções de contentamento e de satisfação. Não vemos que a rosca da infância é o sabor que precisamos. Não sabemos a hora de parar de ceder aos estímulos. O cerne da qualidade de vida é ter tempo para desfrutar o que alcançamos. Tempo = vida. A ansiedade faz com que o silêncio e as prateleiras vazias sejam perturbadores. Não ter exigência a cumprir se confunde com a falta de um sentido para existir.

Nada disso vem como uma apologia contrária aos traços do mundo contemporâneo, como as modernidades virtuais. Igualmente, longe de mim querer condenar os luxos. Também tenho os meus, e deles não abro mão – “que o supérfluo nunca nos falte”, como ensina Martinho da Vila. O samba, por exemplo, é um dos meus luxos. Alerto apenas para a coerência que busco ter. Não por preciosismo ou pedantismo, mas por economia: a vida é muito cara para a desperdiçarmos com luxos banais.

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