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Psique: Nosso melhor amigo só aparece quando estamos sozinhos

Crédito: iStock/Metrópoles

solidão

Amiga, talvez eu tenha sido duro no nosso último contato. Não quero que me interprete mal, pois o que mais desejo é a sua felicidade, o seu amor pleno. Às vezes, desiludir é a melhor prova de amor que posso oferecer ao outro – finalizar a ilusão antes da queda, que vem sempre quando estamos distraídos. Deixe-me explicar melhor.

Percebi sua ausência nos últimos dias. Isso também me doeu, acredite. Sei que a falta que sinto é mútua, recíproca. Nessas horas, queremos apoio. Queremos presença, mesmo que silenciosa. Quero me fazer presente, mesmo que não tenha nada a dizer.

A solidão aguça a dor da rejeição. Quando nos atinge, confundimos a ausência com desprezo. Avaliamos trinta vezes nossas atitudes, para entender a separação. E endossamos a culpa, a tirana das emoções. Encontramos aquele argumento maldito para validar o dar-as-costas do outro – mesmo quando sabemos que essa responsabilidade não nos cabe. Punimo-nos por algo que está além da nossa capacidade de atuação – haveria algo mais injusto?

Sós por natureza
Seu maior temor é algo que já a acompanha, mesmo que ainda não se dê conta disso. No fundo, estamos sempre sozinhos, apesar de ansiarmos sempre por companhia. Essa é uma condição existencial: ninguém é capaz de compreender aquilo que se passa em nós. Até porque, muitas vezes, nós mesmos não somos capazes disso, especialmente nos momentos mais críticos.

Em vão, projetamos no outro essa função de tradução. Às vezes dá certo. Às vezes, dá certo por um tempo. Mas uma hora deixa de funcionar. Esquecemos que, assim como nós, o outro busca essa ressonância – e, um dia, também poderemos perder essa capacidade de traduzi-lo. E é nesse momento que, se tiver hombridade, ele admitirá e irá embora. Para o nosso bem.

O socorro está perto
Nossa companhia mais fiel, talvez a única com quem podemos realmente contar, são as nossas vozes internas. Os diversos “eus” que nos povoam, e, por hora, nos azucrinam e assombram. Mas que também podem ser a nossa salvação. É só parar de dar ouvidos àqueles que criticam e punem, para ouvir o “eu cuidador”. Ele será o nosso socorro mais eficaz.

Muitas vezes, ele usa a voz de pessoas importantes que passaram por sua vida, e que deixaram em você sinais de generosidade e acolhimento. Quem ofereceu o sorvete escondido antes do almoço. Quem te amparou naquele seu tropeço e conduziu os próximos passos. Quem simplesmente olhou com respeito, sem julgamentos nem comparações. Quem compartilhou experiências para tentar te levar a novas formas de compreender a realidade.

Silêncio para ouvir-se
Estar só é uma barra. Sentir-se só é pior ainda. Mas costuma ser na ausência do outro que conseguimos ouvir o “eu cuidador”, assim como o “eu incentivador”, o “eu sábio”, o “eu curador”. O silêncio é perturbador, mas opera o milagre certo, na hora certa.

Nosso melhor amigo só aparece quando estamos sozinhos. Precisamos aprender a confiar na providência da alma. Ela nos fala sempre, até mesmo quando estamos surdos pelo excesso de ruídos no qual nos envolvemos. Venho aqui como um simples mensageiro, sem pretensões de falar a palavra certa, nem de ser um amigo melhor do que aquela que você pode ser para si mesma. Só tenho a oferecer o ombro largo, as mãos firmes, olhos e ouvidos abertos para a sua dor.

Cuide-se. Eu te acompanho. João.

 

 

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