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Psique: Paramos de escutar nossos sentimentos para dar ouvidos ao dos outros

crédito: Metrópoles/iStock

Uma hora, a cobrança chega. Já ouvi isso em diversos contextos. E também já repeti essa frase para algumas pessoas, em situações bem especiais. Quando escutei, ou quando escutaram, o rosto revelou uma mistura incômoda: descontentamento com constrangimento, uma revolta abafada.

É como se descobríssemos, num determinado momento, que não somos tão donos da nossa própria história, como imaginávamos. É justamente o contrário: a história nos tem como instrumento, ela precisa de nós para poder se realizar.

Não falo aqui das sinas tristes às quais nos sentimos atados. Faço referência aos talentos que aguardaram em latência, mas pedem para ser desenvolvidos. Dos compromissos que temos com nosso mundo, aquilo que somente a nós compete – ou que, ao menos, parecemos ser as pessoas mais indicadas a assumi-los.

Grande parte das queixas humanas deriva da falta de uma missão, de algo que confira um significado genuíno à existência. Na psicologia junguiana, entendemos que esta é a grande meta do ser humano: realizar-se como indivíduo, encontrar na própria essência aquilo que lhe confere o cerne, o motivo de estar aqui.

Para os antigos, isso era bem mais fácil. Não só por serem mais resignados aos desígnios que lhes eram impostos, ou por mera conveniência. O que os fazia encontrar logo cedo este sentido existencial era a convicção, a crença, a confiança.

A verdade era mais clara e acessível, e ela bastava por si. Não duvidávamos tanto daquilo que sentíamos, ou do que nos era transmitido pelos mais velhos. Não pensávamos que isso seria uma atitude ingênua, não nos preocupávamos tanto em estarmos sendo enganados.

E, assim, estávamos protegidos do pior que nos habita: a insegurança. Tínhamos a medida certa do medo, e sabíamos reverenciá-los em sua importância. Sabíamos esperar o momento certo das coisas, sem a sensação de tempo perdido. Acreditávamos na confluência dos fatores, numa regência maior capaz de arranjar o improvável.

Substituímos tudo isso pela vontade de controle e determinação, tornando-nos deuses de nós mesmos. As perguntas, no entanto, não cessaram. Só que nossos ouvidos ficaram moucos para as respostas da alma.

Quando a vida se recusa a participar desse jogo, ficamos perplexos. Chega a cobrança para que nos encarreguemos da nossa missão, tal qual ela é, e isso soa incompreensível. No íntimo, sabemos de toda a pertinência do chamado – só não queremos acreditar.

Relutamos, ingenuamente, contra o nosso melhor. E fazemos isso em nome de ideais alheios, que não nos falam ao coração, mas que insistimos em interpretar como sucesso.

Não há missão simples demais, assim como não podemos nos julgar incapazes de realizar nosso caminho. Esconder-se nesses argumentos prorroga as sensações de insatisfação e inadequação.

Entregar-se com coragem àquilo que a vida nos convida a ocupar é uma estratégia de conciliação com a realidade. Sermos quem poderemos ser, explorarmos nossas potências de forma respeitosa e colaborativa.

Compreendemos, assim, a dinâmica da engrenagem. Podemos atuar positivamente para fazer fluir, e não para embargar. O mundo precisa de nós, exatamente como somos e com aquilo que temos a oferecer. Descomplicar, como sempre, é a melhor saída.

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