Self

Psique: Queremos dar respostas para tudo, mas esquecemos de fazer perguntas

Crédito: Metrópoles/iStock

Photo of paper speech bubbles on blue background.

Uma simples imagem, descontextualizada. Um print de tela de celular, para ser mais exato. E, por um fio, quase ia pelo ralo a reputação de uma pessoa. Era improvável, pensei, mas uma fração de segundos foi o suficiente para que eu interpretasse tal imagem como a nova realidade.

Era o ponto de partida. Minha mente se encarregou do resto: criar uma história, uma sucessão de consequências, um desfecho desastroso. Uma imagem capaz de comprometer uma vida inteira, de alterar rumos de forma irreversível.

A imagem era verdadeira. Mas era limitada, pois não estava presente de um contexto. Assim como tudo na vida, convém dizer. Quando se apresentou numa realidade maior, imediatamente ganhou um sentido diferente daquele dos meus devaneios. Era a chegada da lucidez, mostrando que nem sempre o recorte pode ser a melhor amostra do todo.

Felizmente, coloquei tal imagem à prova antes que minha mente trabalhasse mais. Os rastros percorridos pela imaginação foram sendo desfeitos, aos poucos, e assim evitei que o dano idealizado se transformasse em realidade. Deu certo, mas foi sofrido – um sofrimento vazio, vale dizer, uma vez que o cenário construído só existia no meu mundo interior.

Filme de terror
Não sou muito dado às paranoias. Minha analista também acha que não sou tão louco assim. Só experimentei um mecanismo primordial do psiquismo humano: a fantasia. As minhas, no evento citado, apontaram para um cenário negativo. Noutros momentos, podem me fazer acreditar em bondades e vantagens que não existem – assim como acontece com você, confesse.

É a dinâmica dos filmes de terror, e das histórias românticas. Uma sombra se transforma num demônio, assim como um sorriso foi para dizer que há recíproca no amor. Tudo dependerá da predisposição que nos atravessa em um determinado momento. Os sentidos conduzem um estímulo tal à nossa mente e ela se encarrega de completar a história.

Tudo isso acontece porque nosso psiquismo produz respostas, incessantemente. Até mesmo para as falsas interrogações, ou para aquilo que nunca poderá ser respondido. Assim, por exemplo, nasceu Deus: da necessidade de explicarmos a origem e o fim das coisas inexplicáveis.

A consciência é um órgão de processamento das informações que acessamos ao longo da vida – tanto do que está dentro, quanto do que está fora de nós. Mas não nos contentamos simplesmente em acumular, nomear. Temos, por instinto humano, a necessidade de interpretar. Somos insaciáveis no saber e intolerantes ao mistério.
E assim começam as grandes confusões, pois a nossa fantasia dará respostas, mesmo quando (e principalmente) quando não tiver argumentos o suficiente. Quanto mais alimentarmos as fantasias, mais força elas terão. E, assim, transformam-se numa espécie de mito que nos rege. E aos poucos ele terá poder para determinar nosso destino.

Desenvolver a consciência é, acima de tudo, conhecer e questionar os mitos que angariamos pelo caminho – não para destruí-los, mas para dar-lhes contexto, para que eles nos ofereçam sentido. Caso contrário, reinarão sobre nós, limitando ainda mais o nosso olhar. Manter atenção plena, vigiar para não cairmos na tentação de acreditar nas respostas que criamos.

Do que me aconteceu, restou uma lição: não esperar, um minuto sequer, assim que tiver a oportunidade de usar argumentos que contraponham fantasias. No território fértil da mente, uma má imagem semeada pode fazer brotar, rapidamente, uma floresta de infortúnios.

 

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