Self

Psique: Um homem que se apropria de Deus não conhece Deus

Crédito: Metrópoles/iStock

Hand reaching for the  sky with dark stormy clouds

Quando o homem percebeu que a realidade era grande demais para sua compreensão, ele precisou criar uma imagem superior, algo que conseguisse abarcar tudo aquilo que fugia a sua compreensão. Alguém que validasse suas principais angústias: a origem, o sentido da vida e a solução à morte.

Sobre esse ser, depositaria esperanças e expectativas. Detinha sobre essa criatura a postura submissa, de filho – como se fosse uma criação daquilo que criou. E, nesse papel, encontrou nesse ente um refúgio para seus desconfortos e queixas, o balcão para requerer soluções aos tropeços e aos problemas que arrumava na vida.

O poder atribuído a esta criatura era especialmente verificado cada vez que o homem alcançava a saciedade de seus desejos. Isso fez do homem um vaidoso, que passou a enxergar-se como o filho predileto. Por mérito, é claro. Assim nasceu Deus.

“Meu Deus”
Esse pressuposto nos leva a compreender que, quanto mais vaidoso e autocentrado, maior o sentimento de apropriação que eu tenho sobre o Deus que cultuo. Nas horas aflitas, “meu Deus” surge como agente para uma solução imediata. Nos conflitos, valido minhas verdades pelo que “meu Deus” acha justo e bom. Se alguma ameaça me coloca inseguro, convoco o testemunho de “meu Deus”. Alcanço meus propósitos pois tenho “meu Deus” a meu lado.

O mecanismo é semelhante para que criemos o ser contrário, aquele que faz a antítese de Deus. Ou seja: esse antideus é o que atrapalha o meu caminho, o que impede os meus planos, o que gera dúvida sobre minhas ideias, o que não exalta meus feitos etc..

Quem comunga de ideais semelhantes aos meus, é um irmão diante de Deus. Quem está contra, cultua o contrário e é um inimigo a ser banido. Ou um ignorante, que merece conhecer a verdade. Qual verdade? “A única, oras!” – quem pensa assim tem uma enorme dificuldade de conceber outros pontos de vista.

Egoísmo dissimulado
Tudo isso é incongruente, quando pensamos na imagem de Deus-criador, que perpassa a origem de todas as crenças. Nesse olhar original, o divino é o que congrega, o que unifica, o que traduz a união para a constituição do todo. Lançar mão do nome de Deus para contemplar minha vontade só tem um nome: egoísmo, sendo ele praticado por ignorância ou maledicência.

Falar em nome de Deus é querer se colocar no lugar dele, é sentir-se autorizado a determinar uma realidade que, quase sempre, vai além dos limites da minha individualidade. A chance de erro é grande: de onde está, Deus é capaz de enxergar as múltiplas possibilidades de uma mesma situação. De onde estou, esforço-me para discernir algo, a partir da minha miopia existencial.

Deus é amor
Ou então, usamos o nome de Deus para nos revestir de quê de superioridade. Estamos aí envolvidos pelo poder, e não pelo amor – sentimento de compreensão e aceitação que, de fato, poucos conhecem. Usar o divino para polarizar um bem e um mal é a artimanha mestra para fazer valer um ego fraco, doente ou corrompido.

Repito: não venho aqui criticar a crença de ninguém. Trago, apenas, argumentos sobre o papel divinal na trajetória do homem. Da sua origem, ao seu mau uso – o oportunismo e a validação da nossa ignorância. Nós que devemos ser submissos a Deus, e não o contrário.

Até hoje, não tive contato com nenhuma crença que dissociasse a inteligência do principal talento da divindade. Assim sendo, se você crê em Deus, seja ele qual for, considere o “pensar” como uma boa forma de cultuá-lo.

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