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Psique: Sua reação ao sucesso é tão importante como a adotada no fracasso

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Dizem por aí que a melhor forma de conhecer uma pessoa é dando-lhe poder. Tenho uma sugestão para um exercício ainda mais completo: dê o poder, e depois retire. A forma como reagimos ao sucesso é tão importante como a adotada no fracasso, especialmente na forma como lidamos com os demais.

Jung dizia que o poder era a verdadeira antítese do amor. Ele é um valor subjetivo, cada pessoa interpreta o que a faz “poderosa” a partir do repertório de vida que carrega. Idealiza, com ele, experimentar a plenitude e silenciar as próprias misérias. Um engano narcisista.

Poder pressupõe hierarquia, privilégio e detrimento, oferta versus escassez. Ser poderoso só se justifica diante da incapacidade do outro para determinado feito. Ele não permite a equiparação com nosso semelhante. Alguém padece enquanto alguém goza. E, dessa diferença que se explicita, criam-se novas dinâmicas de vínculo, geralmente perniciosas.

Soberba, mesquinharia, abuso, usurpação, inveja, ganância, imposição, chantagem, dependência, ciúme, vaidade, corrupção, ameaça, subjugo, menosprezo, humilhação, cobiça, violência, desrespeito, conchavo, intriga, traição.

Esses são alguns dos venenos que brotam dessa dinâmica e, avalie, deles deriva grande parte dos males do mundo, especialmente aqueles que nos desumanizam. Podem contaminar relações das mais distintas naturezas. Em outros casos, o veneno é o fundamento: o vínculo só sobrevive enquanto o poder é o regente.

A perda do poder desperta no ser humano seus potenciais mais irascíveis. Deparados com a frustração, explicitamos nossos escrúpulos, nossos fundamentos éticos, revelamos as verdades e intenções ocultas que nos regem.
Acusamos, agredimos, vitimamos, ou nos vemos vitimizados. Em suma, regredimos ao nosso princípio mais primitivo: o do extermínio daquilo que não contempla meus anseios, do que não compreendo e do que não concordo. Cegamo-nos às ponderações.
O poder é uma ilusão pertinente à insegurança. Sobressair-se diante do outro contempla apenas a fantasia de incapacidade que nos atravessa – consciente ou inconscientemente. De nada serviria se experimentássemos o limite como uma realidade posta à condição humana. Não nos conformamos por não podermos pertencer à morada dos deuses.

Por esta razão, quem não ambiciona o poder é chamado de humilde. Adjetivo que deriva de húmus, a terra. Algo que só encontramos quando temos os pés no chão, e quando nele encontramos a solidez necessária para suportar aquilo que somos. E, especialmente, aquilo que nunca conseguiremos ser.

Psique: “Oi, sumid@”: a nova senha das relações abusivas

fonte: Gui Primola/Metrópoles

Assim, imprevisível e inesperado, justo de quem há muito tempo sequer acena em sua direção. Surpresa. “Oi? Tá sumid@. O que tem feito?”. Antes mesmo de elaborar uma resposta, já vemos o aviso de que fulan@ está escrevendo. Daí é certeiro: só esperar para saber que a pergunta foi retórica, e que, no fundo, a criatura não quer saber o que se passa com você.

No fundo, o interesse está no alívio imediato que você pode proporcionar a algum problema por lá enfrentado. A solução pode estar naquilo que você sabe fazer, naquilo que tem, no prazer que pode proporcionar. Quanto menor o escrúpulo de quem pede, maiores os elogios usados para embalar o pedido.

A partir daí, depende de sua disponibilidade. Mas saiba que, se resistir, a história vai se reverter contra você. Será destacado o seu egoísmo – seja num discurso vitimário ou raivoso. Questionarão o que custa – sem entender que, de fato, custa muito sentir-se manipulado.

E, pra encerrar, vem o drama, o ressentimento. A promessa de que nunca mais, ou a praga de que a vida dará o troco. E, se você não tiver lucidez, este argumento poderá te seduzir. A estratégia é simples: você não me atende, então amargue a culpa de ser quem é.

Daí é só reler o diálogo e perceber que você estava em seu canto. Que não contava mais com a presença de tal pessoa na sua vida, para nada. Que, afinal, não estará perdendo tanto como se faz parecer. Afinal, só perdemos aquilo que temos.

Você, de fato, não faz diferença ali. Mas o que você é capaz de proporcionar, sim. A importância de reflexão sobre esse tema não diz respeito apenas ao óbvio, ou seja, da prevenção contra tais armadilhas. Temos de reconhecer que, muitas vezes, somos nós os predadores.

Relações por conveniência não são novidades. Tendemos a escolher atalhos, usar de artifícios para facilitar a vida. Isso, em si, não é um erro. Até que, num determinado momento, percebemo-nos manipulando o outro para saciar imediatamente nossos desconfortos.

Observar e impedir tal dinâmica compõe uma espécie de responsabilidade emocional que precisamos adquirir. Tanto para que não abusemos, quanto para que não nos sintamos abusados.

Bem mais interessante saber imprimir uma distância cautelar a depois lidar com as queixas, a frustração, o desconforto. Muitos dos enganos que acontecem poderiam ser evitados se não nos cegássemos com expectativas vazias, geradas pela fantasia de sermos reconhecidos por alguma importância.

Há quem me acusará de falta de solidariedade, mesquinharia. Mas não é essa a intenção. Devemos apenas aprender a valorar nossos talentos e recursos. Somos os principais interessados em defendê-los. Não adianta colocar as joias no cofre e manter a porta aberta, ao acesso de qualquer um.

Psique: Se você exclui quem não curte o seu Facebook, sua carência é perigosa

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“Eu não autorizo que nenhuma rede social se aproprie das minhas imagens, textos e comentários, pois não quero que minha privacidade seja violada”. Copie e cole isso no seu mural caso queira propagar a incoerência.

Já virou lugar comum dizer que vivemos uma realidade de exposições, uma vida de avatares felizes e realizados… Mas o mais estranho de tudo isso é ver quem já tem este comportamento incrustado como hábito querer requisitar a preservação da própria imagem.

O tom e a responsabilidade sobre a privacidade sempre esteve mais em quem se expõe, e menos em quem observa. Isso por uma questão muito simples, e que atravessa a todos, em maior ou menor grau: a curiosidade. Ela não será barrada por uma indireta ou ameaça de Facebook: “Vou excluir quem vê e não comenta” – a carência extrapolada em níveis perigosos.

É quase instintivo. Temos o ímpeto de querer descobrir segredos, de conhecer o desconhecido, de investigar mistérios. Isso é muito importante, pois garante a perpetuidade e o desenvolvimento da espécie humana. Imagine o que seria da ciência se não estivéssemos atentos aos movimentos estranhos de nosso entorno.

Nas relações humanas, isso também é imprescindível. A história de uma criança se constrói a partir das descobertas que faz, daquilo que vai além das referências que lhes são transmitidas. Uma criança curiosa será um adulto esperto e com mais capacidade de reagir diante do inesperado – apesar de isso se configurar como uma chateação aos adultos que a cercam.

Amadurecer é, também, mudar o objeto da nossa curiosidade. Desloca-se daquilo que está fora de mim para o mundo interior. O outro ganha nova importância quando nos tornamos mais interessados naquilo que somos, nos recursos que angariamos no percurso.

 

Nesse aspecto, a tara por redes sociais reflete uma sociedade regredida, pueril. Pouco interessada nos valores existenciais, mas bastante atenta à forma e aos valores compartilhados pelos demais. A função continua a mesma da infância: a ausência de referências satisfatórias, a vontade de querer desenvolver-se.

O problema é que, na maioria das vezes, as referências encontradas são ilusórias, por se tratarem de recortes vaidosos da realidade. O que faz com que nossa curiosidade se aguce ainda mais: “Como é possível viver tão bem, o que me falta para experimentar esse contentamento?” Uma pergunta sem respostas.

Teatralizamos a vivência do outro como um manual. E vivemos assim, inconscientemente, sem mensurar a falha de tal concepção. Afinal, qualquer experiência compartilhada será, ao máximo, semelhante à minha. Inspiração não é cópia. Daí a gente finge que não percebeu isso, e sai copiando. Ou, quando destoa do que julgamos bom, combatemos veemente. Grave.

Até que “o tema” somos nós. Daí armamos defesas, reclamamos privacidade. Esquecendo-nos que a vidraça transparente faz com que eu veja o outro à medida em que ele me vê – e aí mora a justiça da coisa. É muito simples: não quer ser assunto? Não dê assunto.

Psique: Dia das mulheres. Não é à toa que sabedoria é um substantivo feminino

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Enganam-se aqueles que pensam que o dia de hoje é de comemoração. Ou quem acha que é uma tolice, uma deferência boba para agradá-las. Quem acha que uma rosinha ordinária, oferecida da boca para fora, encobre o violento silêncio, a cantada barata, a diferença salarial, o menosprezo, a sobrecarga.

São inúmeros os perigos que cercam as mulheres. O principal deles é a desconfiança sobre quem são, sobre a capacidade que têm. Negar-lhe a condição de paridade, fazê-las acreditar que são inferiores. E que, como tal, devem se submeter às condições mais espúrias.

Na condição de homem, falo aqui de atrevido. Muito provavelmente por repetir, ainda que munido da melhor intenção, a ideia de que elas precisam ser defendidas, acolhidas, por serem frágeis. Percebo, ao escrever, o quão impregnado estou pelo espírito machista, por esse traço perverso do inconsciente coletivo.

Eu deveria simplesmente calar, deixar que falem por si. Mas não dá, não consigo. Especialmente eu, que delas tanto dependo. São meu sustentáculo afetivo e espiritual. Profissionalmente, tenho mais pacientes mulheres que homens, mais leitoras que leitores. E, de onde estou, vejo o quanto são abusadas, desde cedo, incessantemente. Por homens e por outras mulheres que aderiram ao esquema de opressão.

Recebo em meu consultório mulheres envergonhadas, em contradição. Duvidosas da capacidade de conquistar benefícios. Submissas, dominadas pelo medo do que seriam se perdessem seus companheiros. Cumprindo o enfado de constituírem o tal sexo frágil.

Também chegam armadas até os dentes. Masculinizadas, competitivas, impositivas. Predadoras de homens débeis. Com grandes bandeiras empunhadas, e intimamente sofridas pela falta de identificação com aquilo que defendem. Desejosas por “coisas de mulherzinha” – confessam constrangidas, referindo-se à saudade da feminilidade perdida.

Muitas vezes, apenas repetem as referências transmitidas por suas semelhantes. Calar, gritar, falar grosso – sem saber exatamente por que agem assim.

O exercício de ampliação da consciência quase sempre parte de uma premissa: identificar os temas que estamos representando na vida para diferenciar-se dele. Ou seja, tirar o indivíduo do lugar comum e levá-lo a compreender sobre as potências que a vida lhes reserva. Fazer emergir da alma nossa natureza mais particular e profunda.

E nesse movimento elas levam vantagem. Não só pela sensibilidade inegável que têm, mas principalmente por terem coragem para enfrentar a dor em nome de um bem maior. Elas estão predispostas naturalmente a fecundar, gestar, parir, cuidar. Sejam pessoas, projetos, relações.

Isso predispõe a mulher a acreditar, a apostar no futuro. Não sucumbem facilmente à dor e ao sofrimento. Repousam sobre eles, ouvi-los, retirar-lhes um significado. Coisa que nós, homens, só fazemos com muito custo. Somos ávidos por soluções imediatas, mulheres compreendem o tempo das coisas. E assim ensinam por que sabedoria é um substantivo feminino.

Psique: Se você é bom, não precisa provar isso para ninguém

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Quando nós, analistas, começamos a receber no nosso consultório uma leva de clientes com queixas semelhantes, uma luz de alerta se acende. É sinal de que devemos olhar para a forma como lidamos com a questão. Escrever pode me ajudar a compreender, e pode ajudar você também.

Inclusive, a palavra em questão é ajuda. Contemplar o outro, fazer o bem.

Servir bem para servir sempre – a máxima do comércio – também se aplica à vida. Só que nem sempre estamos atentos de que isso não deve se aplicar de forma irrestrita. Há certos senhores que não precisam ou merecem ser servidos. Eles, logo adiante, serão algozes.

Parecer bom é, muitas vezes, uma tentativa de despertar o interesse do outro. Erramos, pois, ao agirmos assim, conquistamos pelo que podemos fazer, e não quem somos. E, quando nosso comportamento não mais condiz com as expectativas alheias, experimenta-se o descarte.

Esse comportamento retroalimenta a ideia de menos valia. A mesma que deu origem a esta engrenagem toda. Afinal, parecer ser bom somente para sermos desejados aponta para uma descrença nos valores genuínos, aqueles que provêm e traduzem nossa alma. Deixo de ser quem sou para ser o que pode ser mais agradável aos demais.

O personagem que criamos para sermos aceitos não durará eternamente. E, quanto maior for o esforço para mantê-lo vivo e atuante, mais se acentua a crença de que somos uma farsa. Tem algo de errado se escutamos que somos ótimos, mas, no íntimo, não acreditamos nas nossas capacidades.

Talvez essa seja a tal questão do “amor próprio”, que tanto ouvimos por aí. Amar é um verbo impreciso, de difícil definição, graças à subjetividade que o envolve. Mas, em geral, podemos pensar no amor como algo acolhedor, compreensivo, integrativo. Em todas as culturas, Deus traduz o amor justamente por conter, em sua imagem, o símbolo da totalidade.

A falta de amor denuncia uma dissociação. Ou seja, a incapacidade que temos de correlacionar aspectos aparentemente distantes, mas que são pertinentes quando enxergamos o todo. Querer bem ao outro, apesar do outro.
Não posso dizer que amo quando gosto de um aspecto de alguém, mas não consigo aceitar/tolerar/respeitar características das quais divirjo. Posso até não concordar, mas não posso querer dissuadir ninguém de ser quem é. Quando nos unimos somente ao agradável, isso não é amor, é conveniência.

Da mesma forma, é em nome da conveniência que muitos mutilam sonhos, desejos, crenças e valores. Deixam, assim, de determinar a própria história, de realizar os propósitos mais profundos da existência. Quem vive assim sente-se à margem, na solidão, por não compreender que se esqueceu de ser bom para quem mais precisa: a si mesmo.

nivas gallo