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Psique: Está na hora da arrumação – a moda da faxina

Crédito: Metrópoles

Colorful buttons in the white wooden box

Quando um livro encabeça a lista dos mais vendidos, com certeza ele revela um traço da sociedade naquele determinado momento. É o que acontece agora com “A mágica da arrumação”, de Marie Kondo. Aparece por todos os lados: mãos, prateleiras, reportagens, conversas, prescrições. A tradução: estamos bastante desorganizados.

Basicamente, o método KonMari se fundamenta em dois pilares: descarte e organização. Temas que vão além da bagunça de armários e gavetas, convenhamos. A vida está repleta de coisas e relações empoeiradas, esquecidas em algum lugar, sem nenhuma função. Mas que, juramos de pés juntos, que precisaremos um dia. E, quanto mais acumulamos, maior a chance de nos perdermos diante daquilo que é verdadeiramente necessário.

O nível de dificuldade de viver está diretamente proporcional ao número de compromissos que eu contrair para o meu dia. Essa é uma conclusão óbvia, não precisamos de nenhuma japonesa para nos ensinar isso. No entanto, estamos inseridos num modelo existencial que nos cobra agendas lotadas (a de compromisso, a de relações).

Prateleiras cheias
Curiosamente, a queixa mais comum que escuto se resume em dois termos: “cansaço” e “falta de tempo”. E não duvido disso. Afinal, nossas prateleiras psíquicas estão entulhadas de eventos pouco gratificantes, que mais nos lembram das nossas faltas do que das nossas glórias. É como se comprássemos um brinquedo novo. Mas que, para funcionar, precisa de um determinado acessório. Mas que o encaixe dependesse de outro acessório. E outro. E assim sucessivamente, numa exigência sem fim.

Uma vida saudável depende de pluralidade. Na nutrição, na natureza das relações, na função das atividades. Mas isso não significa apenas em preencher espaços vazios com o que estiver na moda, ou com “itens de promoção”. A vastidão do mundo nos proporciona a possibilidade de nos ocuparmos com coisas que nos traduzam e contemplem enquanto seres únicos. Ou seja, que traduzam aquilo que verdadeiramente somos, em predileções, crenças e tendências.

Nisso, Marie Kondo acerta em cheio. Segundo ela, a triagem dos objetos que nos cercam deverá se dar usando um critério único: fique apenas com aquilo que te traz alegria. Seja imediata, seja secundária. Descarte tudo que não trouxer contentamento. O mesmo vale para aquilo que “um dia pode ser útil” ou que “parece que é bom ter”. Se, até agora, isso não transformou o seu caminho, não o fará no futuro. O que já cumpriu a missão original, pode seguir adiante.

A casa simbólica
Administramos duas casas, nas quais moramos – uma externa, de concreto e pertences, outra interna, de imagens e sentimentos. Ambas se refletem, mutuamente. Por esse motivo, em alguns momentos, o processo de organização torna-se um exercício difícil, e não somente trabalhoso. Envolve questões profundas, das quais nem sempre nos damos conta.

Organizar, arrumar, faxinar, descartar. Fazer um inventário do que guardamos, agruparmos por afinidades. Percebermos o que carece de manutenção. O que poderá ser ajeitado para facilitar. Tudo isso expande os ensinamentos de Marie Kondo para o território simbólico, onde residem nossas emoções. E assim tudo ganha seu lugar. A vida fica mais arejada, clara, prática.

 

Psique: Nascemos para morrer. Por que é tão difícil lidar com o fim?

Crédito: Metrópoles

A dark tunnel with light at the end.

A vida se dá na tensão entre dois opostos complementares: o nascer e o morrer. Nós, humanos, nos diferenciamos dos demais animais por termos consciência disso. Filosoficamente, ainda ensaiamos respostas precisas para os grandes mistérios indecifráveis (o chavão do “quem somos, de onde viemos, para onde vamos”). Mas, na prática, temos que lidar com essa realidade. Nascemos para morrer, essa é a nossa única certeza.

Vemos essa história se repetir desde que brotou essa consciência, isso nos é transmitido geração após geração. Fica difícil pensar que ainda não tenhamos aprendido a lidar com o encerramento das fases. E, de fato, não aprendemos. Sofremos um bocado para lidar com o desapego, somos bem inseguros ao olhar para frente.

Não é de hoje que se pensa sobre esse tema. Cerca de 500 anos antes de Cristo, o filósofo grego Heráclito de Éfeso já discutia a questão. Sua citação mais popular nos diz que ninguém pode se banhar duas vezes no mesmo rio. A cena jamais se repetiria, pois a pessoa já não seria a mesma; as águas originais também já teriam passado.

Vida é trânsito
Impermanência é o nome bonito que usaram para definir isso. Em diversas filosofias orientais, é tida como uma lei suprema. Entretanto, na situação contemporânea, evidencia um novo paradoxo do tempo. Somos cobrados a lidar com a celeridade das coisas, que se superam a cada momento. Descartamos diversas coisas com muita facilidade. Mas, quando há afeto envolvido, não conseguimos abandonar o passado em nome do novo.

Mera tolice. O futuro virá, independentemente da resistência. O passado não se atualizará, mesmo que eu busque cultuar emoções que o evoquem. Vida é trânsito. O percurso é o que interessa, pois ele representa o agora, a única realidade que podemos deter.

E esse será o único determinismo aceito, caso queiramos ter bem-estar. Quando nos fixamos numa situação estanque, querendo perpetuá-la a qualquer custo, assumimos o risco do empobrecimento. Quando restringimos nosso horizonte, ao renegar o novo, transformamos nossa vida em uma coisa menor, menos interessante.

Transformações exigem perdas
Tudo na natureza se expressa por um ciclo, com começo, meio e fim. A energia de renovação, que nos revitaliza, só pode se manifestar quando se assume a contrapartida da perda. Se não cedemos, não podemos suprir carências.

Associar a substituição do velho pelo novo aponta para uma fantasia de desamparo: não conseguimos acreditar que o futuro poderá suprir nossas necessidades. Ou que teremos recursos suficientes para lidar com os desafios que lá se apresentarão.

Irmanamo-nos com os problemas, como quem divide a casa com alguém inconveniente. Reclamamos do que temos, mas não empreendemos esforços para mudar nosso universo. E ainda desacreditamos os acenos da transformação.

Da mesma forma, tentar perpetuar um momento ou relação é limitar a nossa capacidade de transformação. O que me contempla hoje poderá ser insuficiente logo em seguida. Por isso, fazer compromissos é diferente de fazer pactos. Não podemos levar tão a sério as promessas eternas, uma vez que o eterno só existe na nossa fantasia. Em suma, estando você diante da maior das graças ou da mais terrível aflição, saiba: isso também vai passar.

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