Self

Psique: Somente uma reforma nos valores é capaz de fazer um mundo melhor

Crédito: Metrópoles/iStock

Top view of white paper chain family on red shape heart. Family in love. Family care and unity concept.

Nós, analistas, somos acusados de inquisidores da família. Talvez porque, vez por outra, soltemos o jargão: “não está na hora de matar o pai, matar a mãe?” Força do hábito, às vezes um hábito perigoso. Esse é um texto de retratação, ou quase.

Afinal, é na nossa família de origem que alcançamos os nossos primeiros tesouros. Os afetos, as crenças, os valores: a herança que ficará conosco – até que, de posse de algo melhor e autoral, eu possa abdicar dela. Mas não há de se descartar tudo, definitivamente.

É no seio familiar que acessamos nossos primeiros provérbios, os primeiros ditados. Lá temos o primeiro contato com a sabedoria popular. Ela nos ensina, a partir de metáforas de fácil compreensão, as prerrogativas que conduzirão nossas escolhas. A partir delas, compreendemos acontecidos, moldamos relações, tomamos decisões.

Experiências repetidas
Um valor se origina, basicamente, da experiência. Ou seja, da associação de um atributo a algo vivenciado. Nossa família nos transmite valores mesmo que não o faça de forma consciente. Os mais firmes vêm a partir do que testemunhamos. Com eles, aprendo a ser um ser humano digno, respeitoso, ético. “Quem sabe provérbios não pode ser de todo mal”, como dito em “O fabuloso destino de Amélie Poulain”.

O exemplo vale mais que palavras, certamente. Mas é a partir delas que eu conjugo o fato, elaboro uma sentença a partir dele. Isso me ajudará a balizar a vida, torná-la menos problemática. Os dizeres populares nasceram com essa função: aprender estratégias com nossos antepassados para evitar erros, sofrimento e dor.

É claro que há provérbios contraditórios entre si. E que a escolha por um, ou por outro, será definida por uma série de fatores psíquicos, das crenças que envolvem os indivíduos que os repetem. O valor é subjetivo, contempla a partir do contexto e da necessidade de cada um. O que falamos aponta para aquilo que nos é importante.

Para um mundo melhor
Nossos valores são sementes para a nossa ética. Ela vai além do moralismo, das regras às quais estamos submetidos por mera convenção social. Brota de dentro, será constituída a partir da conciliação daquilo que acreditamos, com nosso temperamento e nosso caráter. É a soma do crer, sentir e agir, determinará a forma como me situo no mundo. Aquilo que valoro é a amálgama que unifica esses fatores e determina quem eu sou diante do outro.

Por esse motivo, a edificação dos valores de um ser humano é algo tão importante, e tão sensível no mundo contemporâneo. Se vivemos num mundo cheio de equívocos sociais, com baixa capacidade de empatia, inversamente proporcional à intolerância, e isso é fruto da debilidade de valores.

A formação de um cidadão ético vai além de dinheiro e oportunidades – ela carece de bons exemplos, boas frases, de reverência aos que o antecederam. Faltam provérbios, sobram acusações. Falta visão do coletivo, transborda o egoísmo – comportamentos típicos de valores falhos.

Para quem se preocupa com a ética, a revisão dos valores é um exercício de praxe. Busco me manter na linha. Mas, se eu exagerar, lembrem-me que tenho limites. Se eu negligenciar, lembrem-me que tenho compromissos. Se me distanciar dos sentimentos, lembrem-me que é com eles que me nutro. Lembrem-me quem sou. E se eu insistir em negar meus valores, estarão todos autorizados a esquecerem-se de mim.

Psique: Ser politicamente correto não é ser chato, é saber olhar o outro

Crédito: Metrópoles/iStock

Men balanced on seesaw over a single man

Uma mãe amamenta o filho em público, e isso é considerado um absurdo, pouca vergonha. Dois rapazes caminham de mãos dadas, e esse comportamento pode ser uma má influência às nossas famílias. Não sabemos exatamente como devemos nos referir ao deficiente físico, ou ao cabelo da amiga negra, para que não soe ofensivo.

Enquanto isso, crimes bárbaros, motivados pela violência gratuita, são questionados pela natureza de suas vítimas. “Fez por merecer” é a frase introdutória para julgamentos preconceituosos – gerando a revitimização. O mundo está estranho, bem estranho. O que acontece com nossos valores? Perdemos a espontaneidade para o bom senso?

De fato, bom senso é algo extremamente perigoso, por ser subjetivo. E, ao criarmos critérios para estabelecer o que é aceitável ou não, quase nunca levamos em consideração os parâmetros do outro. Esse é o berço da injustiça.

Politicamente correto
Vivemos um momento transitório, a chegada de um novo paradigma. Por um lado, vemos uma parcela da sociedade mais interessada na inserção e garantia dos direitos de minorias. Esse é o verdadeiro sentido da política, no conceito grego da coisa — ações à participação contextual dos diversos grupos da Pólis, da cidade.

No fluxo contrário, vemos reações cada vez mais duras e violentas brotarem de quem não concorda com a inclusão. Condena-se com muita facilidade o erro do outro. Afinal, neste pensamento, o erro está sempre lá, fora de mim.

Vemos brotar daí comentários atrozes sobre o menino de dez anos, completamente desvalido de amparo, morto pela polícia depois de roubar um carro e de cometer uma série de infrações. Ou da jovem de 16 anos, violentada em suas sexualidade, imagem e dignidade. Quando não comentam, respiram aliviados, invadidos por uma sensação de justiça cumprida. Absurdo.

O injusto é um inseguro
Quando levamos a uma análise mais criteriosa, vemos que tais indivíduos são dignos de compaixão. Sua ignorância nada mais é que fruto da insegurança. Sentem-se ameaçados pelo crescimento do outro, creem que isso acabará resvalando negativamente na vida que alcançaram. Não confiam minimamente em si, no que creem, no que tem. Muitas das coisas que apedrejam dizem respeito a feridas mal curadas, tendências reprimidas e referências distorcidas.

Acontecimentos restringem nossa visão, nos encarceram em nós mesmos. É o que chamamos de elementos sombrios da personalidade, fatores que nos incomodam quando os enxergamos no semelhante. Especialmente naqueles que realizam o que me foi tolhido.

O ignorante se agarra àquilo com o que se identifica, por não conseguir perceber o quanto essa crença é limitante. Perde muito com a própria estupidez. Isso não significa que devemos apoiá-lo em suas atrocidades. Isso seria como cortar fora as pernas de quem manca. Defender outros pontos de vista é a nossa melhor contribuição para que um dia, Deus queira, ele possa escapar da própria limitação.

Ser tolerante
O exercício da empatia é um desafio para qualquer ser humano. No entanto, olhar pela perspectiva do outro é a melhor maneira de sermos politicamente corretos. Ao trocarmos de lugar, aos poucos compreendemos o que é ofensa, onde está o limite. É um reaprender a pensar, a criticar, a avaliar.

Para finalizar, não se frustre por não conseguir mudar alguém que não consegue ir além dos próprios preconceitos. Essa mudança se dará no tempo de cada um, e às vezes esse tempo é nunca. Nada disso é novo. Os chineses já pensavam sobre isso há mais de 5 mil anos. E sintetizaram num provérbio: quando o sábio aponta às estrelas, o idiota olha para o dedo.

nivas gallo