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Psique: Um homem que se apropria de Deus não conhece Deus

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Hand reaching for the  sky with dark stormy clouds

Quando o homem percebeu que a realidade era grande demais para sua compreensão, ele precisou criar uma imagem superior, algo que conseguisse abarcar tudo aquilo que fugia a sua compreensão. Alguém que validasse suas principais angústias: a origem, o sentido da vida e a solução à morte.

Sobre esse ser, depositaria esperanças e expectativas. Detinha sobre essa criatura a postura submissa, de filho – como se fosse uma criação daquilo que criou. E, nesse papel, encontrou nesse ente um refúgio para seus desconfortos e queixas, o balcão para requerer soluções aos tropeços e aos problemas que arrumava na vida.

O poder atribuído a esta criatura era especialmente verificado cada vez que o homem alcançava a saciedade de seus desejos. Isso fez do homem um vaidoso, que passou a enxergar-se como o filho predileto. Por mérito, é claro. Assim nasceu Deus.

“Meu Deus”
Esse pressuposto nos leva a compreender que, quanto mais vaidoso e autocentrado, maior o sentimento de apropriação que eu tenho sobre o Deus que cultuo. Nas horas aflitas, “meu Deus” surge como agente para uma solução imediata. Nos conflitos, valido minhas verdades pelo que “meu Deus” acha justo e bom. Se alguma ameaça me coloca inseguro, convoco o testemunho de “meu Deus”. Alcanço meus propósitos pois tenho “meu Deus” a meu lado.

O mecanismo é semelhante para que criemos o ser contrário, aquele que faz a antítese de Deus. Ou seja: esse antideus é o que atrapalha o meu caminho, o que impede os meus planos, o que gera dúvida sobre minhas ideias, o que não exalta meus feitos etc..

Quem comunga de ideais semelhantes aos meus, é um irmão diante de Deus. Quem está contra, cultua o contrário e é um inimigo a ser banido. Ou um ignorante, que merece conhecer a verdade. Qual verdade? “A única, oras!” – quem pensa assim tem uma enorme dificuldade de conceber outros pontos de vista.

Egoísmo dissimulado
Tudo isso é incongruente, quando pensamos na imagem de Deus-criador, que perpassa a origem de todas as crenças. Nesse olhar original, o divino é o que congrega, o que unifica, o que traduz a união para a constituição do todo. Lançar mão do nome de Deus para contemplar minha vontade só tem um nome: egoísmo, sendo ele praticado por ignorância ou maledicência.

Falar em nome de Deus é querer se colocar no lugar dele, é sentir-se autorizado a determinar uma realidade que, quase sempre, vai além dos limites da minha individualidade. A chance de erro é grande: de onde está, Deus é capaz de enxergar as múltiplas possibilidades de uma mesma situação. De onde estou, esforço-me para discernir algo, a partir da minha miopia existencial.

Deus é amor
Ou então, usamos o nome de Deus para nos revestir de quê de superioridade. Estamos aí envolvidos pelo poder, e não pelo amor – sentimento de compreensão e aceitação que, de fato, poucos conhecem. Usar o divino para polarizar um bem e um mal é a artimanha mestra para fazer valer um ego fraco, doente ou corrompido.

Repito: não venho aqui criticar a crença de ninguém. Trago, apenas, argumentos sobre o papel divinal na trajetória do homem. Da sua origem, ao seu mau uso – o oportunismo e a validação da nossa ignorância. Nós que devemos ser submissos a Deus, e não o contrário.

Até hoje, não tive contato com nenhuma crença que dissociasse a inteligência do principal talento da divindade. Assim sendo, se você crê em Deus, seja ele qual for, considere o “pensar” como uma boa forma de cultuá-lo.

Psique: “Manda nudes” é o novo paradigma nas relações. E o maior risco

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nudes

Há quem diga que está tudo de pernas para o ar. Outros defendem que o futuro chegou e que nos resta a adaptação. Não estou aqui para definir quem está com a razão. Mas uma coisa é fato: o povo anda meio perdido, um tanto equivocado, quando o assunto é relação a dois.

A impressão que dá é que, de uma hora para outra, ganhamos uma caixa enorme, lotada de ferramentas. Mas não temos habilidades para operá-las. E não há quem nos ensine, pois, até mesmo seus inventores se esqueceram de criar um manual de instrução.

Assim surgem inúmeras redes sociais. Hipoteticamente, instrumentos para unir pessoas com interesses comuns. Na prática, espaço para exposição de valores que nem sabemos direito se temos. É como se a pracinha da cidade do interior, onde os encontros se davam, tivesse crescido. Todos quisessem disputar momentos no coreto central. Para que? Na maioria das vezes, nem eles mesmos sabem.

Pornografia doméstica
Os primeiros aplicativos de relacionamentos eram bem estratificados. Os gays, por exemplo, foram pioneiros nessa linguagem. E encontraram um território para criar novos vínculos e, principalmente, liberar fantasias. Na maioria das vezes, vivenciadas no anonimato.

Agora, a coisa está democratizada e na sala de estar. Solteiros (e também os não tão solteiros assim) mantêm aplicativos similares instalados em seus smartphones. Desses, com câmera frontal e traseira, de resolução cirúrgica. E daí brota a tentação. “Manda nudes!” A frase ficou popular. A frase, não. O gesto.

São desesperadoras as histórias de pessoas que confiam a privacidade de seu corpo a quem parece ser uma boa opção de par. E, o mais incrível: quase sempre, as vítimas de exposição de intimidade visavam encontros meramente sexuais. Elas buscavam relacionamentos duráveis. Namorar, casar, constituir família.

Templo profanado
Não é uma questão de puritanismo e sim um alerta quanto ao despreparo. Poucos têm estrutura para lidar com as consequências de terem sua sexualidade devassada, comentada, escrachada. Esse é o grande risco quando se cede ao pedido de uma foto de nu.

Além disso, esquece-se que o corpo é a principal referência de quem somos. Antes de qualquer outro juízo de valor ou intenção, o mundo nos interpreta a partir da imagem que temos. É tacanho, mas funciona assim. Somos todos preconceituosos – a questão é intrínseca à natureza da psique, que se orienta com base em experiências anteriores, organizadas em complexos.

Bote nessa conta o véu de hipocrisia que nos envolve. O nudes da artista é assunto de bar, o nosso é segredo profundo. O recato que temos nos contextos sociais não corresponde aos desejos que guardamos nos porões da alma. A sexualidade ainda é um tabu, e esse paradigma parece estar longe de ser superado. Temos de lembrar que a curiosidade é contagiosa e geralmente nos envenena.

Falsa intimidade
Deter o registro da imagem desnuda do outro nos confere uma espécie de poder sobre ele. Inconscientemente, é justamente esse acordo tácito que se firma ao mandar um nudes. “Confio a você o meu segredo, meu bem mais precioso” – mal sabendo a quem entrega algo tão sensível. Querem, com isso, forçar uma intimidade que, na verdade, não está ligada ao corpo e sim à convivência.

Obviamente, há também quem não veja problema nenhum nisso. Nesses, poucos são os ditos bem-resolvidos (aqueles que naturalizam a sexualidade a ponto de não se deixarem levar pelo tabu coletivo). A maior parte é de quem perdeu as referências do que é sagrado em si, do autorrespeito. Despem-se de roupas, assim como de qualquer outro valor. Mas vale lembrar: na pracinha do interior, poucos ousavam tirar a roupa em público. Só os loucos.

Psique: Honestidade, uma virtude para cultivar

Fonte: Metrópoles

a clerk walking on the nose of a devil trying to maintain a balance between time and work

 

Quando olho para você, sei o que enxergo. Você pode até não corresponder àquilo que interpreto. Mas só mesmo o tempo e os fatos poderão me promover outra leitura. Sei que o mesmo ocorre daí pra cá. Mas vivemos numa sociedade, dita civilizada, e precisamos manter uma relação cordial, respeitosa. Mas só isso.

No entanto, não alimentamos mutuamente uma linguagem de hipocrisia. Afinal, há algo entre nosso olhar que nos impede de acreditar que “nada está acontecendo”. Reconhecemos que, apesar de qualquer divergência de propósitos, isso nos une: sabemos o mal-estar que se impõe entre nossos corpos.

A lucidez que temos ao admitirmos tudo isso, silenciosamente, nos eleva a um patamar especial, o das pessoas sinceras. Somos honestos com o que sentimos, com o que acreditamos, com o que esperamos da vida. Não se trata de avaliar se estamos certos ou errados nas nossas opiniões. Mas somos genuínos, ao menos nessa relação. Essa característica já nos diferencia de uma grande massa – para melhor.

Simplificar a vida
No mínimo, nossa vida fica mais fácil. Não precisamos nos policiar para evitar deslizes, mentiras ou evitações. A falsidade nos tira a espontaneidade, e isso é uma lástima. Quase nada nessa vida merece que deixemos de ser o que somos em nome da expectativa dos outros. Talvez somente a compaixão mereça esse sacrifício.

Obviamente, a vida pautada na honestidade é mais parca. Não temos tantos amigos, convites e ocupações. E é justamente disso que parte a sensação de libertação. Muitas das demandas que “perdemos” representam, na verdade, um acréscimo. Sobra tempo e energia – nossos recursos mais caros – para o que realmente faz diferença em mim.

A atitude legitimamente honesta depende desse senso de justiça. E a balança não apela para a autoindulgência ou autocondenação exageradas. Ela é exata, encontra a medida certa para o tamanho que conseguimos ocupar a cada momento, a depender de cada situação. Não ser nem a mais, nem a menos. O primeiro e mais difícil dos passos para atingir essa virtude: ser honesto consigo e, a partir daí, olhar para fora.

Contextualize-se
Dessa forma, perceberemos que não temos condição de cobrar aquilo que não estamos dispostos a oferecer. O sujeito honesto sabe contextualizar-se no mundo. Não só a partir dos limites que recaem sobre si, mas principalmente diante daquilo que pode fazer em nome dos demais. Por essa razão, podemos entender que da honestidade brota a verdadeira solidariedade, a relação saudável com o outro.

Minha avó já dizia: cada um só dá o que tem. Erramos quando, para parecermos melhores, queremos oferecer o que não estamos dispostos a compartilhar. Seja um gesto, um sentimento, uma atitude. Mesquinharia não é negar, é oferecer com finalidades não declaradas. Admiro profundamente quem não dissimula intenções, e encontra uma forma sábia de declará-las. São pessoas em quem busco inspiração.

E é em nome delas que nego, que acolho, que brigo, que sorrio. E é a elas que dedico meus melhores momentos. É delas que espero a parceria, o lado a lado, os ensinamentos. Dos demais, aprendi a não esperar nada. A não ser distância.

 

nivas gallo