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Desde que Darwin defendeu a teoria da evolução das espécies, sabemos que os filhos tendem a ser melhores que seus pais. É instintivo, vai além de um simples desejo. No fundo, todo pai e toda mãe minimamente amorosos anseiam por esse mesmo ideal. Querem que seus descendentes cheguem aonde não conseguiram chegar, conquistem o que não conseguiram alcançar.
Mas, ao olharmos de perto, muitas vezes nos deparamos com histórias que contradizem esse argumento. As distorções são das mais variadas. Casos de pais que não aceitam filhos que vão além daquilo que são. Ou de filhos que se constrangem e boicotam chances de desenvolvimento. Enredos distorcidos, mas não incomuns.
Na verdade, são exemplos mais corriqueiros do que podemos imaginar. A família de origem é uma das instâncias mais importantes na constituição de um indivíduo. É ela que nos apresenta ao mundo e oferece as primeiras referências de quem somos. Ensinam sobre direitos, deveres, merecimento, responsabilidade, gratificação e outro sem-números de lições que moldam a forma de como nos enxergamos e nos portamos no mundo.
Quanto mais distanciados estivermos da nossa natureza mais profunda, mais determinante será essa influência familiar: viveremos quase que para cumprir um script familiar preconcebido, que nem sempre (ou quase nunca) corresponde aos anseios da nossa alma.
Pais invejosos
Costuma ser na adolescência que o jovem ser começa a desconstruir os mitos familiares. Percebe que pode ser diferente e, muitas vezes, impõe-se para sê-lo. Faz despontar talentos, possibilidades até então não concebidas dentro de casa. Encontra-se num mundo maior, bem maior, do que aquele que lhe foi pintado.
É claro que isso pode incomodar os demais. Especialmente aqueles que se sentem frustrados, os que não se viram capazes de lutar por aquilo que gostariam de ser, que não escolheram bandeiras para levantar. Esses responderão com o limite autoritário, restritivo ao novo. Famílias são instituições assimétricas, e nesse caso os mais novos, que mais dependem, levam desvantagem.
O nome disso é inveja: se não pude ou não posso ter, você também não terá. Quase sempre, o corte não é feito de forma explícita. Adota-se a covardia da dissimulação, da manipulação emocional, da chantagem. E, pior ainda: da aniquilação da autonomia. Coloca-se o filho num lugar do incapaz, em vez de encorajá-lo aos desafios que a vida propõe.
Não é só mesquinho, é desumano. Anos depois, esses mesmo filhos serão adultos despreparados para viver, que sucumbem nos tropeços em vez de aprender com eles. Ou que lutam destemidos somente para provar a esses pais que são dignos de valor, de serem amados. É triste, limitante. Se existem maldições familiares, essa é uma das mais terríveis.
Filhos insatisfeitos
Sofrer esse tipo de desautorização para viver deixa marcas difíceis de serem reparadas. Além dessa busca massacrante pela perfeição, na tentativa de serem aceitos, os filhos podem se perceber eternamente insatisfeitos. Afinal, a ferida que tentam reparar não será sanada por cargos, salários, diplomas, aparências. Falta de amor e atenção só se cura com amor e atenção.
No fundo, temem abandonar e serem abandonados, na medida em que deixam para trás as velhas expectativas parentais. Sentem-se culpados, pois queriam que todos pudessem evoluir juntos – mas nem sempre se perguntam se os demais querem e estão dispostos a crescer.
Nesse dilema, retirar-se e recolher os próprios talentos soa muito injusto. Até porque não será isso que sanará o olhar ressentido de quem não se realizou. Manter esse mecanismo de não sermos quem somos não afasta de nenhuma família essa maldição, e sim a perpetua. Às vezes, é o exemplo da nossa realização que alavanca e incentiva o crescimento do outro.