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Psique: A resposta de incontáveis questionamentos está em seu inconsciente

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Como é que a relação que você tem com seu chefe corresponde à forma como seu avô tratava sua avó? Por que será que você sente enjoo quando escuta palavras ofensivas, mesmo que estejam sendo dirigidas a outras pessoas? O que o fim dos seus relacionamentos tem a ver com a forma como você é vista por seus irmãos?

A resposta desses e de outros incontáveis questionamentos, aparentemente desconexos, está em você. Mais precisamente em seu inconsciente, um termo muito popular, mas pouco compreendido. Meu desafio, hoje, é tentar apresentá-lo.

Conceitualmente, é fácil. O inconsciente corresponde a tudo aquilo que a consciência não é capaz de identificar, nominar, compreender, interpretar, refletir. Mas que existe, apesar de desconhecido pelo ego (a voz do “eu”).

Existe e tem poder. Muito poder. Capaz até de alterar os desígnios e decisões da própria consciência, de forma mais corriqueira do que você pode imaginar.

Os conteúdos inconscientes se agregam em núcleos temáticos, permeados por emoções. É o que chamamos de complexos afetivos. Eles processam os acontecimentos, internos e externos. Ou seja, não só o que vivemos, mas também nossas impressões, fantasias, frustrações e expectativas.

A semelhança das experiências é o que encorpa o complexo. Assim sendo, tudo aquilo que remete à traição, por exemplo, ficará ali, junto e misturado: imagens apreendidas, emoções vivenciadas e referências exteriores. Vão se construindo como um novo ser que nos habita.

Quando uma nova vivência remete a algum desses componentes, esse ser acorda. E passará a atuar a partir de sua coerência própria, tendo por base as experiências anteriores. Ou seja, o complexo tem uma estrutura própria de pensar, sentir, acreditar, agir, sofrer, gratificar-se.

E assim experimentamos situações como as descritas no primeiro parágrafo. Fisgados pelo complexos, perdemos o discernimento de onde e com quem estamos. Reagimos não só ao que o momento pede, mas a tudo aquilo que acumulamos sobre determinado tema.
Por exemplo: uma pessoa que se sentiu desprestigiada por um amigo numa rede social poderá atingir um alto grau de sofrimento a partir disso. Algo aparentemente banal, mas que, nela, pode ter feito acordar todo um complexo de menos valia, inadaptabilidade e dificuldade de inserção social. Toda a rejeição de uma vida se atualiza ali, e ela reage a isso.
Da mesma forma, surgem as simpatias. Ou seja, as situações afins, com as quais nos identificamos positiva e prontamente. Um novo amigo, ou um novo lugar, podem aludir diretamente a uma situação de conforto e confiança. E assim a adesão é imediata: sentimos uma intimidade inexplicável, uma sensação de segurança, como se o novo existisse há tempos.

Uma vez que isso faz parte da estrutura da psique, precisamos aprender a lidar com os nossos complexos dominantes, como forma de sermos, antes de qualquer coisa, mais justos conosco e com o mundo. Assim, não emitiremos uma fatura mais cara do que a cobrada pela circunstância

Psique: A vida não precisa estar ruim para que nos sintamos insatisfeitos

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A vida não precisa estar ruim para que nos sintamos insatisfeitos. Não carecemos de um problema exato, de um dilema identificado, de uma relação frustrada. Tudo pode estar nos eixos e, ainda assim, pairar uma sensação de estranhamento, de falta, de impertinência.

Depressão, a aposta óbvia, é o extremo patológico desse estado. Mas nem sempre chegamos a tanto: a vida está seguindo, funcionando, apesar do esvaziamento. Não se vê a solução num sedativo para o sofrimento. Aliás, sofrimento não é a melhor definição para aquilo que se sente.

Melancolia é o bom nome que os gregos criaram para definir esse estado: o veneno sombrio, a bílis da tristeza secretada pela alma. Ela escorre por nossos sonhos, alterando-lhes o sabor. O amargo afasta a doçura, deixa o paladar metálico, ríspido, pesado. Talvez daí venha o tal “gosto de cabo de guarda-chuva” – a metáfora para o estado melancólico da ressaca.

Nenhum afeto se apresenta sem um propósito maior. Existe em nós uma tendência quase compulsiva a querer correlacioná-lo a algum acontecimento exterior. Ignoramos, assim, que a dinâmica psíquica vai além de fatores sociais, relacionais e biológicos. Especialmente quando os isolamos para facilitar nossa observação.

A alma fala por uma linguagem própria, numa pertinência absurda. Chega a ser constrangedor quando, pela reflexão, conseguimos compreender algo que ela expressa. Constrange por percebermos que aquilo sempre esteve ali, só não éramos capazes de enxergar.

É como se, por um átimo, acessássemos todo o conhecimento do nosso universo particular. Em geral, a experiência mobiliza a ponto de alterar cursos e ritmos. Costuma colocar o trem novamente no trilho. Em alguns, é como se desesperasse ainda mais o maquinista: a vontade de agir faz com que ele descontrole ainda mais o manete. Imprevisibilidades da nossa mente.

A melancolia não escapa dessa regra. Se está ali, tem uma função – ainda que incompreendida. O mundo contemporâneo nega espaço a esta compreensão: não devemos perder tempo com aquilo que não afirma a produtividade, a forte atuação social e o sucesso.

Ignoramos que esse estado melancólico possa ser uma espécie de elaboração. É como um terreno que se prepara para a semente. A terra sendo remexida, a putrefação do adubo enriquecendo o solo, nascentes sendo desviadas para a irrigação. E o vazio desolador das covas nuas, vazias, à espera do que virá a brotar.

Suportar essa espera é um desafio, especialmente àqueles que “não têm tempo a perder”. Mas, para que sincronizemos relógios e calendários ao ritmo da alma, é preciso escutá-la. Reverenciá-la, até mesmo quando ela parece se esconder. Contentar-se com o mais sutil dos sinais que venha a oferecer, em vez de desejar que ela se manifeste algo arrebatador.

Nossa percepção é simplória demais para tudo aquilo que queremos saber. Assim, resta-nos confiar em um propósito maior, sempre que nosso eu se assemelha a um campo limpo. Concentrar-se na possibilidade, em vez da ausência. Somente assim teremos chance de acessar aquilo que é imenso e sublime em nós.

Psique: Pessoas inseguras geralmente se armam de argumentos agressivos

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Na semana passada, publiquei um texto sobre a esquiva como estratégia de defesa. Hoje, falo sobre o extremo oposto: o ataque, a postura violenta – seja nas palavras, nos gestos ou na atitude.

Para começar, é necessário discriminar agressividade de violência. A primeira é um valor inato e comum a todos os seres, em maior ou menor grau. A agressividade é imprescindível para o desenvolvimento. Ela é a energia básica de transformação, o veículo que nos leva a superar limites, a combater aquilo que nos gera mal-estar.

Um sujeito sem agressividade estaria rendido, de forma passiva, aos dissabores impostos pela vida. Ela é a força do desejo, da criatividade.

Por exemplo: uma criança pobre, que, apesar das dificuldades, estuda e conquista uma realidade melhor que a de seus pais precisou valer-se desse instinto. O mesmo vale para alguém que é injustiçado e resolve denunciar quem o prejudica.

Nem sempre a interpretamos de forma tão positiva. Ela pode se deslocar para dentro (e passamos a nos autoagredir, a partir de críticas depreciativas, de uma descrença frente a nossas capacidades etc.). Ou pode se transformar no nosso cartão de visitas: agredimos antes de sermos agredidos.

Uma pessoa violenta é aquela que não consegue reconhecer e preservar o território do outro, literal e metaforicamente: seu espaço, seu corpo, suas crenças e seus sentimentos. A postura invasiva, anuladora, é a agressividade mal empregada.

Esse comportamento também não é uma eleição simples. Muitas vezes, é a linguagem aprendida com referenciais afetivos. Exemplo: pais e mães que conduzem a educação com violência física e psicológica geram filhos estúpidos. Ou então o vocabulário do meio ao qual pertencem (comunidades marginalizadas e de risco, na qual o ataque é estratégia à sobrevivência).

Argumentos agressivos geralmente partem de pessoas inseguras, que não conseguem se sentir confortáveis e contempladas com a própria situação de vida. Que se sentem indefesos para adotar novas posturas, enfrentar novos desafios e desbravar novas possibilidades. Temem, no fundo, perder o único alicerce que lhes parece seguro.

Reagir com violência não pode ser confundido com uma atitude de enfrentamento. Novamente, falo aqui de contexto e de proporção, pois é neles que encontramos o caminho sábio que nos leva à boa agressividade.

Saber quem e o que combater é, antes de tudo, saber distanciar-se da violência em si. É refletir para saber que muito da nossa história não será reparado, infelizmente. Mas que também não precisa ser uma condenação.

Carregamos nossas marcas, precisamos nos contatar com elas. Contudo, não devemos transformar-las no molde para as demais relações que construiremos no percurso da vida.

Psique: Defender-se é normal, mas não devemos nos isolar ao nos proteger

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Defender-se é uma atitude primordial a qualquer ser. Cada um, a seu modo, busca uma forma de continuidade frente aos predadores, visa encontrar uma forma mais confortável de vida, protegidos daquilo que pode gerar danos ou mal-estar.

Nós, humanos, também experimentamos esse instinto. Quer uma prova? Veja como um bebê reage quando nos aproximamos de seus olhos. Ainda inconsciente dos riscos, ele trata de proteger a visão – um dos principais campos de interação e absorção do meio ambiente no qual está inserido.

À medida em que desenvolvemos alguma consciência sobre nós e sobre esse entorno que nos compreende, percebemos que os possíveis agressores vão além daquilo compreendido pela percepção instintiva. Reconhecemos nossos opositores, sejam eles indivíduos ou situações. E buscamos recursos para que consigamos sobreviver a eles.

Nem sempre, no entanto, conseguimos balizar esses mecanismos de defesa de forma justa. Podemos nos armar de forma desproporcional. O motivo é básico: superestimamos as adversidades, ou simplesmente ignoramos nossas capacidades de embate. Explico.

Quando algo é marcado em nós como uma referência de perigo, registramos todo o conjunto de emoções experimentadas no momento em que fomos apresentados àquele risco e as associamos com as imagens da cena. Daí, quando nos deparamos novamente com uma situação semelhante, é acionado o gatilho de alerta.

Certos medos apreendidos na infância ajudam a exemplificar essa situação. Quando um pinscher rosna e avança em uma criança de três anos, ela paralisa com pânico. Proporcionalmente, é como se estivesse diante de um rottweiler feroz.

Já adulta, tal pessoa pode reagir de forma semelhante ao encontrar algum cachorrinho na rua. Ou seja, toda a carga afetiva mobilizada pela vivência anterior tira-lhe o senso da realidade (agora, teria plenas condições de conter o bicho em caso de ataque, sem danos).

Da mesma forma, usamos parâmetros adquiridos anteriormente para evitar situações novas que julgamos ameaçadoras: relações, conversas, rotas, inovações. Ficamos fixados na dor e sofrimento vivenciados e, referenciados nisso, associamos o novo ao perigo.

Como se não bastasse a nossa própria história, tendemos a uma apropriação dos medos alheios. Um erro crasso, uma vez que cada indivíduo assimila um fato de uma determinada forma, usando para isso as próprias referências.

Aos poucos, a vontade de evitar o sofrimento nos isola do mundo. Assim, perdemos não só a proporção das coisas, mas também a capacidade de contextualizá-las. O medo ganha proporções patológicas, e a vida acontece por detrás das muralhas por ele impostas.

Psique: O olhar ávido pela novidade forma uma geração cada vez mais ansiosa

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Domingo estava numa conversa com amigos quando eu disse que preciso trocar os pneus do meu carro, pelo desgaste natural de uso. Uma amiga, bem querida inclusive, sugeriu que eu trocasse de carro. Isso me espantou, mas me fez pensar.

Todo mundo gosta do que é bom, especialmente do que vem com cheiro de novidade. E somos aguçados a substituir mesmo, sem muitos questionamentos. Afinal, consertar é dispendioso e dá trabalho. E não estou mais falando de carros.

Adotar a substituição como caminho é um argumento falacioso. Funciona sem funcionar. No consultório, vejo que grande parte das angústias parte da incapacidade de promover substituições.
O descarte é geral: empregos, amizades, amores, deuses, tratamentos. Se a resposta não for imediata, e satisfatória aos anseios egoicos, está na hora de partir para a próxima. Esquece-se apenas que é depois da sedimentação que encontramos fundamentos sólidos.

É um desafio, enquanto analista, levar certos clientes a perceberem que consertar é uma saída viável – e muitas vezes mais eficaz que a troca. Até porque, se não aprimorarmos a nossa capacidade de viver, teremos grandes chances de “estragar” o novo por “má operação”.

Esse olhar ávido pela novidade, ou simplesmente a incapacidade de lidar com o problema, forma uma geração cada vez mais ansiosa e intolerante com os defeitos – dos outros e os próprios.

É justo que tenhamos tantas dificuldades para lidar com o corriqueiro, principalmente com as finalizações que não deflagramos. Ficamos abalados não pela perda em si, mas por não termos dado a palavra final. Como se algo ou alguém nos tivesse usurpado o poder de decisão. Como se decidíssemos mais do que somos decididos pela vida.

As “loucuras” contemporâneas refletem bem isso: transtornos de ansiedade, síndrome do pânico, distúrbios de autoimagem, depressão… Tudo se desdobra de uma fantasia de controle que, quando falha, parece nos expor a uma vulnerabilidade insustentável.
Não é à toa que buscamos tanta informação, que lemos tanto (não os clássicos, como seria bom, e sim as redes sociais, enunciados de notícias). Queremos sempre saber tudo: o que acontece (what’s up/Whatsapp)? Para quê? Para crer que, assim, não seremos surpreendidos pelo inesperado. Não nos vemos prontos para reagir ao não planejado.
Assim, o defeito, a falha e o problema nos apontam para nossas próprias incapacidades. Neles, encontramos uma chance de irmos além dos limites que já dominamos. Não é fácil, mas a recompensa é certa. E ela jamais viria se apenas tivéssemos substituído, sem reflexão, o fator de incômodo.

Seja uma relação ou um carro, condenar um bem maior em virtude do que vejo como defeito é um desperdício. É certo que nem tudo tem conserto. Mas nosso dever é tentar melhorá-lo. E, assim, melhorarmos também.

nivas gallo