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Psique: O talento é uma gema que precisa ser lapidada

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O talento é um ótimo ponto de partida para que alguém se sinta realizado. Nele, encontramos os traços que fazem de uma atuação algo único – especialmente quando aquilo que é feito corresponde, auxilia a traduzir o indivíduo em questão. Mas isso é só o início.

Qualquer história de sucesso carece de outros elementos para se realizar. Dedicação, empenho, observação, oportunidade, coragem. Assertividade diante daquilo que precisa ser feito, resignação àquilo que foge de nosso controle. E, especialmente, relações construtivas.

Talento não é dom – um presente, um privilégio gratuito. Ele mais se assemelha a uma gema, à qual só se agrega valor na medida em que é lapidada. Mas nos iludimos, confundimos esses conceitos. Honrar um talento dá muito trabalho. Nem sempre a recompensa vem quando e da forma como esperamos.

Há pessoas que, apesar de extremamente talentosas, não conseguem alcançar o estado de prosperidade. Ou seja, serem capazes de gerar além do que carecem, afastando o fantasma da escassez. Não por falta de avidez, mas por indisponibilidade.

Erramos quando invertemos papéis, acreditando que nossos talentos estão a nosso serviço. Nós, de fato, que servimos de instrumentos a eles. Só servimos para servir. Para muitos, isso pode parecer pouco.

Imagine um artista sem plateia, sem alguém para elogiar sua atuação ou para tecer-lhe críticas. Ele terá dificuldades para estabelecer parâmetros razoáveis. E isso poderá fazer com que ele cobre um cachê alto demais para aquilo que é capaz de produzir, ou jamais chegue a estrear seu espetáculo, por não crer que alguém se interessaria por aquilo que tem a oferecer.

Todo suor que envolve o trabalho sinaliza a subordinação que temos a esse talento, o quanto estamos dispostos a fazê-lo valer, a importância a ele conotada. E, é claro, a subordinação que temos ao outro – ao agente fora de nós que não só testemunhará, mas também saberá usufruir daquilo que só nós podemos oferecer.

A insubordinação pode se apresentar na indisciplina, na arrogância, no descompromisso, na irresponsabilidade. Num primeiro momento, pode até ser disfarçada (um ótimo exemplo: usar outros compromissos para procrastinar o que deve ser feito).

Como tudo, aos poucos se transforma numa marca daquilo que somos – e, assim, deixamos de ser reconhecidos pelo melhor de nós, e ganhamos notoriedade por nossas falhas. Nesse caminho de prepotência, esquecemo-nos dos caminhos que conduzem à alma.

Ouvir esse chamado maior nos assemelha às ditas “pessoas de sorte”, invejadas pelo desempenho e resultado atingidos. Os afortunados são aqueles que foram além das adversidades exteriores e, principalmente, dos boicotes que poderiam fazer à própria trajetória. Nem tudo é uma questão de meritocracia, é verdade. Mas, em muitos casos, encarnamos nosso maior opositor.

Psique: Mayer errou, e reconhece isso. O machão brasileiro que o habita, não

Crédito: Metrópoles/Globo/João Miguel Junior

 

Por ao menos uns 30 anos, do que me acusa a memória, vejo José Mayer na televisão no papel de galã. Bonito ele nunca foi, mas foi entronado como ícone da masculinidade: o macho sedutor, com voz firme e assertiva, olhar intimidador, “homem de verdade” – ouvi diversas vezes de diversas mulheres.

Isso constituiu um senso comum nacional. Já passa da casa dos 60 e ainda desbanca seus sucessores nessa função de Don Juan. Por quê? Era o desejo da audiência, que gostaria de vê-lo sendo o que sempre foi. O papel de vozinho amável, ou de homem frágil, não lhe cabe. O do devorador, sim, como uma luva.

Este não é um texto de condenação ou absolvição. Não é o meu papel. Uso apenas uma história notória para ilustrar como parimos nossos mitos. E, principalmente, para alertar sobre o quanto acreditamos nas ilusões que construímos. Especialmente quando estas são reforçadas pelo coletivo.

Todos buscamos papéis a desempenhar. Tendemos a dar mais ênfase àqueles que nos oferecem mais gratificação. Galã, mãe, cuidador, sábia, animadora, disciplinador, etc. Tudo isso é bom, válido e precisa ser exercido por alguém, em algum momento. Não por você, o tempo todo.

Mayer provavelmente se sentia habilitado a cantar qualquer mulher, em qualquer circunstância, e a acreditar que tal gesto (por mais agressivo que fosse) seria interpretado com lisonjeio. Afinal, era ele – o fiel representante do arquétipo do machão brasileiro, aprovado, corroborado e retroalimentado gerações após gerações, por nós, brasileiros.

Personagem após personagem, essa imagem arquetípica vai se acomodando nele, tingindo-lhe as atitudes. Transforma-se numa espécie de personalidade-irmã – aquilo que Jung chamou de complexo afetivo. Ele tem uma interpretação particular da realidade e agirá de forma correspondente a isso.
Certamente, o ator sentiu-se gratificado em muitas das vezes em que tal complexo lhe tomou corpo e atitude. Talvez tenha se manifestado para além das câmeras e ribaltas. Talvez tenha funcionado em investidas anteriores, com outras mulheres. Menos com a figurinista Susllem Tonani.
Ela, por sua vez, empresta o corpo para outro arquétipo contemporâneo: o da mulher que cansou de sofrer investidas violentas, que não se sente refém do domínio masculino, que acredita na denúncia que será ouvida. Outras já ocuparam esse lugar (Maria da Penha, por exemplo), permitindo uma atualização e expansão do arquétipo. E isso tem nos feito melhores.

A mea culpa do ator é coerente, quando aponta para um sentimento de confusão, de inadequação. Mayer errou, e reconhece isso. O machão brasileiro que o habita, não. Este não pedirá desculpas, pois não se sente em erro.

O tempo dirá se a discussão que esse evento gera, ou repete, renderá um legado. Afinal, para isso servem os mitos: para que a experiência vivida por uns evite o sofrimento dos próximos.

Psique: Sua reação ao sucesso é tão importante como a adotada no fracasso

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Dizem por aí que a melhor forma de conhecer uma pessoa é dando-lhe poder. Tenho uma sugestão para um exercício ainda mais completo: dê o poder, e depois retire. A forma como reagimos ao sucesso é tão importante como a adotada no fracasso, especialmente na forma como lidamos com os demais.

Jung dizia que o poder era a verdadeira antítese do amor. Ele é um valor subjetivo, cada pessoa interpreta o que a faz “poderosa” a partir do repertório de vida que carrega. Idealiza, com ele, experimentar a plenitude e silenciar as próprias misérias. Um engano narcisista.

Poder pressupõe hierarquia, privilégio e detrimento, oferta versus escassez. Ser poderoso só se justifica diante da incapacidade do outro para determinado feito. Ele não permite a equiparação com nosso semelhante. Alguém padece enquanto alguém goza. E, dessa diferença que se explicita, criam-se novas dinâmicas de vínculo, geralmente perniciosas.

Soberba, mesquinharia, abuso, usurpação, inveja, ganância, imposição, chantagem, dependência, ciúme, vaidade, corrupção, ameaça, subjugo, menosprezo, humilhação, cobiça, violência, desrespeito, conchavo, intriga, traição.

Esses são alguns dos venenos que brotam dessa dinâmica e, avalie, deles deriva grande parte dos males do mundo, especialmente aqueles que nos desumanizam. Podem contaminar relações das mais distintas naturezas. Em outros casos, o veneno é o fundamento: o vínculo só sobrevive enquanto o poder é o regente.

A perda do poder desperta no ser humano seus potenciais mais irascíveis. Deparados com a frustração, explicitamos nossos escrúpulos, nossos fundamentos éticos, revelamos as verdades e intenções ocultas que nos regem.
Acusamos, agredimos, vitimamos, ou nos vemos vitimizados. Em suma, regredimos ao nosso princípio mais primitivo: o do extermínio daquilo que não contempla meus anseios, do que não compreendo e do que não concordo. Cegamo-nos às ponderações.
O poder é uma ilusão pertinente à insegurança. Sobressair-se diante do outro contempla apenas a fantasia de incapacidade que nos atravessa – consciente ou inconscientemente. De nada serviria se experimentássemos o limite como uma realidade posta à condição humana. Não nos conformamos por não podermos pertencer à morada dos deuses.

Por esta razão, quem não ambiciona o poder é chamado de humilde. Adjetivo que deriva de húmus, a terra. Algo que só encontramos quando temos os pés no chão, e quando nele encontramos a solidez necessária para suportar aquilo que somos. E, especialmente, aquilo que nunca conseguiremos ser.

Psique: “Oi, sumid@”: a nova senha das relações abusivas

fonte: Gui Primola/Metrópoles

Assim, imprevisível e inesperado, justo de quem há muito tempo sequer acena em sua direção. Surpresa. “Oi? Tá sumid@. O que tem feito?”. Antes mesmo de elaborar uma resposta, já vemos o aviso de que fulan@ está escrevendo. Daí é certeiro: só esperar para saber que a pergunta foi retórica, e que, no fundo, a criatura não quer saber o que se passa com você.

No fundo, o interesse está no alívio imediato que você pode proporcionar a algum problema por lá enfrentado. A solução pode estar naquilo que você sabe fazer, naquilo que tem, no prazer que pode proporcionar. Quanto menor o escrúpulo de quem pede, maiores os elogios usados para embalar o pedido.

A partir daí, depende de sua disponibilidade. Mas saiba que, se resistir, a história vai se reverter contra você. Será destacado o seu egoísmo – seja num discurso vitimário ou raivoso. Questionarão o que custa – sem entender que, de fato, custa muito sentir-se manipulado.

E, pra encerrar, vem o drama, o ressentimento. A promessa de que nunca mais, ou a praga de que a vida dará o troco. E, se você não tiver lucidez, este argumento poderá te seduzir. A estratégia é simples: você não me atende, então amargue a culpa de ser quem é.

Daí é só reler o diálogo e perceber que você estava em seu canto. Que não contava mais com a presença de tal pessoa na sua vida, para nada. Que, afinal, não estará perdendo tanto como se faz parecer. Afinal, só perdemos aquilo que temos.

Você, de fato, não faz diferença ali. Mas o que você é capaz de proporcionar, sim. A importância de reflexão sobre esse tema não diz respeito apenas ao óbvio, ou seja, da prevenção contra tais armadilhas. Temos de reconhecer que, muitas vezes, somos nós os predadores.

Relações por conveniência não são novidades. Tendemos a escolher atalhos, usar de artifícios para facilitar a vida. Isso, em si, não é um erro. Até que, num determinado momento, percebemo-nos manipulando o outro para saciar imediatamente nossos desconfortos.

Observar e impedir tal dinâmica compõe uma espécie de responsabilidade emocional que precisamos adquirir. Tanto para que não abusemos, quanto para que não nos sintamos abusados.

Bem mais interessante saber imprimir uma distância cautelar a depois lidar com as queixas, a frustração, o desconforto. Muitos dos enganos que acontecem poderiam ser evitados se não nos cegássemos com expectativas vazias, geradas pela fantasia de sermos reconhecidos por alguma importância.

Há quem me acusará de falta de solidariedade, mesquinharia. Mas não é essa a intenção. Devemos apenas aprender a valorar nossos talentos e recursos. Somos os principais interessados em defendê-los. Não adianta colocar as joias no cofre e manter a porta aberta, ao acesso de qualquer um.

Psique: Se você exclui quem não curte o seu Facebook, sua carência é perigosa

Crédito: Reprodução

“Eu não autorizo que nenhuma rede social se aproprie das minhas imagens, textos e comentários, pois não quero que minha privacidade seja violada”. Copie e cole isso no seu mural caso queira propagar a incoerência.

Já virou lugar comum dizer que vivemos uma realidade de exposições, uma vida de avatares felizes e realizados… Mas o mais estranho de tudo isso é ver quem já tem este comportamento incrustado como hábito querer requisitar a preservação da própria imagem.

O tom e a responsabilidade sobre a privacidade sempre esteve mais em quem se expõe, e menos em quem observa. Isso por uma questão muito simples, e que atravessa a todos, em maior ou menor grau: a curiosidade. Ela não será barrada por uma indireta ou ameaça de Facebook: “Vou excluir quem vê e não comenta” – a carência extrapolada em níveis perigosos.

É quase instintivo. Temos o ímpeto de querer descobrir segredos, de conhecer o desconhecido, de investigar mistérios. Isso é muito importante, pois garante a perpetuidade e o desenvolvimento da espécie humana. Imagine o que seria da ciência se não estivéssemos atentos aos movimentos estranhos de nosso entorno.

Nas relações humanas, isso também é imprescindível. A história de uma criança se constrói a partir das descobertas que faz, daquilo que vai além das referências que lhes são transmitidas. Uma criança curiosa será um adulto esperto e com mais capacidade de reagir diante do inesperado – apesar de isso se configurar como uma chateação aos adultos que a cercam.

Amadurecer é, também, mudar o objeto da nossa curiosidade. Desloca-se daquilo que está fora de mim para o mundo interior. O outro ganha nova importância quando nos tornamos mais interessados naquilo que somos, nos recursos que angariamos no percurso.

 

Nesse aspecto, a tara por redes sociais reflete uma sociedade regredida, pueril. Pouco interessada nos valores existenciais, mas bastante atenta à forma e aos valores compartilhados pelos demais. A função continua a mesma da infância: a ausência de referências satisfatórias, a vontade de querer desenvolver-se.

O problema é que, na maioria das vezes, as referências encontradas são ilusórias, por se tratarem de recortes vaidosos da realidade. O que faz com que nossa curiosidade se aguce ainda mais: “Como é possível viver tão bem, o que me falta para experimentar esse contentamento?” Uma pergunta sem respostas.

Teatralizamos a vivência do outro como um manual. E vivemos assim, inconscientemente, sem mensurar a falha de tal concepção. Afinal, qualquer experiência compartilhada será, ao máximo, semelhante à minha. Inspiração não é cópia. Daí a gente finge que não percebeu isso, e sai copiando. Ou, quando destoa do que julgamos bom, combatemos veemente. Grave.

Até que “o tema” somos nós. Daí armamos defesas, reclamamos privacidade. Esquecendo-nos que a vidraça transparente faz com que eu veja o outro à medida em que ele me vê – e aí mora a justiça da coisa. É muito simples: não quer ser assunto? Não dê assunto.

nivas gallo