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Psique: Honestidade, uma virtude para cultivar

Fonte: Metrópoles

a clerk walking on the nose of a devil trying to maintain a balance between time and work

 

Quando olho para você, sei o que enxergo. Você pode até não corresponder àquilo que interpreto. Mas só mesmo o tempo e os fatos poderão me promover outra leitura. Sei que o mesmo ocorre daí pra cá. Mas vivemos numa sociedade, dita civilizada, e precisamos manter uma relação cordial, respeitosa. Mas só isso.

No entanto, não alimentamos mutuamente uma linguagem de hipocrisia. Afinal, há algo entre nosso olhar que nos impede de acreditar que “nada está acontecendo”. Reconhecemos que, apesar de qualquer divergência de propósitos, isso nos une: sabemos o mal-estar que se impõe entre nossos corpos.

A lucidez que temos ao admitirmos tudo isso, silenciosamente, nos eleva a um patamar especial, o das pessoas sinceras. Somos honestos com o que sentimos, com o que acreditamos, com o que esperamos da vida. Não se trata de avaliar se estamos certos ou errados nas nossas opiniões. Mas somos genuínos, ao menos nessa relação. Essa característica já nos diferencia de uma grande massa – para melhor.

Simplificar a vida
No mínimo, nossa vida fica mais fácil. Não precisamos nos policiar para evitar deslizes, mentiras ou evitações. A falsidade nos tira a espontaneidade, e isso é uma lástima. Quase nada nessa vida merece que deixemos de ser o que somos em nome da expectativa dos outros. Talvez somente a compaixão mereça esse sacrifício.

Obviamente, a vida pautada na honestidade é mais parca. Não temos tantos amigos, convites e ocupações. E é justamente disso que parte a sensação de libertação. Muitas das demandas que “perdemos” representam, na verdade, um acréscimo. Sobra tempo e energia – nossos recursos mais caros – para o que realmente faz diferença em mim.

A atitude legitimamente honesta depende desse senso de justiça. E a balança não apela para a autoindulgência ou autocondenação exageradas. Ela é exata, encontra a medida certa para o tamanho que conseguimos ocupar a cada momento, a depender de cada situação. Não ser nem a mais, nem a menos. O primeiro e mais difícil dos passos para atingir essa virtude: ser honesto consigo e, a partir daí, olhar para fora.

Contextualize-se
Dessa forma, perceberemos que não temos condição de cobrar aquilo que não estamos dispostos a oferecer. O sujeito honesto sabe contextualizar-se no mundo. Não só a partir dos limites que recaem sobre si, mas principalmente diante daquilo que pode fazer em nome dos demais. Por essa razão, podemos entender que da honestidade brota a verdadeira solidariedade, a relação saudável com o outro.

Minha avó já dizia: cada um só dá o que tem. Erramos quando, para parecermos melhores, queremos oferecer o que não estamos dispostos a compartilhar. Seja um gesto, um sentimento, uma atitude. Mesquinharia não é negar, é oferecer com finalidades não declaradas. Admiro profundamente quem não dissimula intenções, e encontra uma forma sábia de declará-las. São pessoas em quem busco inspiração.

E é em nome delas que nego, que acolho, que brigo, que sorrio. E é a elas que dedico meus melhores momentos. É delas que espero a parceria, o lado a lado, os ensinamentos. Dos demais, aprendi a não esperar nada. A não ser distância.

 

Psique: A importância dos líderes

Fonte: Metrópoles

one lit bulb shines on others, leader.

Cada pessoa tem sua própria verdade. E as afinidades surgem quando as verdades de um casam com a verdade do outro. Surgem daí as lideranças, ou seja, sujeitos que ganham representatividade ao sintetizar e defender uma certa ideia em nome de seus semelhantes.

Numa noite da semana passada, vivi uma experiência ímpar, que me fez pensar sobre tudo isso. Diante de 200 expectadores, a voz de um jovem desnudava a dor de centenas de milhares de pessoas. Aos 18 anos, Gabriel Estrëla descobriu que tinha sido infectado pelo vírus do HIV/Aids. Viu tudo se transformar diante do inesperado, não sabia como agir. Aos 23, transformou sua história num musical para conscientizar de forma sensível sobre os riscos da doença.

Falo em conscientização porque o que Gabriel fez não é um drama – apesar de inúmeros fungados e soluços, seguidos de aplausos em cena aberta, que se ouvia ao longo do espetáculo. Ele cumpre um papel social, ao assumir a voz coletiva dos soropositivos. Especialmente daqueles que, como ele foi um dia, acreditavam na invencibilidade da juventude.

O recado foi reforçado, ao fim da apresentação, por Christiano Ramos. Ele também contraiu o vírus aos 18. Hoje, com 51, entende que o HIV/Aids foi o que deu sentido a sua existência. Ele preside a principal ONG de assistência e orientação a pacientes infectados.

Um por todos

Posicionar-se como um exemplo é um ato de coragem e abnegação. Quem assume esse lugar perde parte de si em nome do todo. Quem fala a partir dele é o coletivo. Ele carregará o prazer e a dor dos demais sujeitos que compartilham histórias semelhantes. Por eles também será cobrado. Representar um grupo não é simplesmente vestir uma camisa. É tatuar na pele, em lugar visível, a sua verdade. É para poucos.

O desafio maior é não perder-se nesse coletivo. A força emanada pela liderança é gratificante a quem olha e se vê espelhado. Da mesma forma, é gratificante perceber o poder que esses papeis trazem. Seja por um motivo, seja por outro, ceder pode ser muito perigoso.

Em qualquer lugar, temos exemplos de pessoas que se confundem com cargos, instituições, títulos, funções, doenças, times, partidos… E que não conseguem mais encontrar a própria individualidade, tornaram-se escravos das bandeiras que hasteiam. Tornaram-se caricaturas de si mesmos. O que separa o líder do mártir é a consciência sobre si mesmo.

Referências são essenciais

No entanto, o mundo precisa de líderes, de representantes dos grandes temas que permeiam a humanidade. Eles encarnam um importante arquétipo: o norteador, o que usa a própria experiência para orientar sobre os caminhos a seguir. A referência é imprescindível ao nosso desenvolvimento: precisamos de pessoas que nos inspirem sobre o que ser, ou o que não ser.

Olhar para frente e ver que alguém já percorreu esse caminho acalma o coração, nos momentos de desespero, e inflama a alma, nos momentos de apatia. Gabriéis, Christianos e semelhantes auxiliam a dar forma às inquietações que a existência nos presenteia.

Cada um com sua causa, cada um com sua vestimenta, os norteadores auxiliam a dar nome e forma ao desconhecido que se manifesta diante de nós. E nos conduzem pela mão até que essas temáticas ganhem significado dentro de nós, para que determinemos nosso próprio caminho. Sejamos gratos. E, a eles, desejemos: boa sorte.

Psique: O valor da saudade

Crédito: Metrópoles
saudade

Uma pedrinha preta, com rajadas brancas, encontrada na beira-mar. Mais uma, quando comparada às demais. Mas não quando observada de perto. Difícil explicar, pois em suas características nada fugia ao normal na coloração, no formato.

Um ambulante, querendo ser simpático, garantiu que deveria ser fragmento de um coral negro que existe há mais de 170 metros de profundidade. Eu sabia que era para envaidecer. Era mais uma pedra, mas era incomum.

Dentro dela, cabia mais de 5 mil metros de distância. Ela era a pedra da saudade. Em seu brilho, reluzia um olhar. As curvas laterais tinham o desenho de um sorriso. Firme e escura, mas nada disso lhe tirava a leveza. Era delicada, como é delicado um novo amor.

O território da saudade é como essa pequena pedra. A preciosidade do que representa é, simplesmente, resultado do significado que a ela atribuímos. É frágil, pode se perder na areia infinita, se nao estivermos atentos. Sem o cuidado necessário, volta a se misturar com as coisas do mundo.

Guardar é valorar
Isso seria um desperdício de vida, uma vez que a saudade só se mostra quando estamos diante de algo único. Um amor, um sabor, um valor que gostaríamos que se perpetuasse em nossa convivência. Algo que, mesmo distante das mãos, se mantém intacto em minhas lembranças, dentro de mim.

Como qualquer emoção, a saudade tem uma função na nossa existência. Ela vem como um alerta importante. Se está ali, é sinal de que algo foi capaz de transformar positivamente a nossa realidade. Por essa razão, não existe saudade banal. Aquilo que muda meu caminho merece todas as reverências, deve receber o devido valor.

Tudo isso é bonito de se dizer, mas, vamos confessar: viver de saudade é muito ruim. Primeiro, porque tudo o que nos faz falta poderá, de fato, jamais se repetir. O medo é inerente à falta. Não queremos lidar com a possibilidade real de termos de enfrentar a ausência. Aperta o coração só de pensar.

Lembrar sem estacionar
Além disso, não podemos congelar a vida em nome daquilo que já não faz parte da realidade. Uma dose extra de nostalgia, do “era-feliz-e-nao-sabia”, pode destruir o broto de vida que quer despontar. Podemos deter a saudade de uma forma saudável, sem que esta sirva para inviabilizar as novas possibilidades. É preciso saber fechar o álbum de lembranças se desejamos que a vida tenha um significado.

Saudade. Impossível não repetir uma palavra tão bonita, de significado tão especial, em cada parágrafo. Seria incongruente com o significado desse texto. Afinal, ela nos remete ao insubstituível. Assim como o brilho de um olhar, a transparência de um sorriso, a força de um abraço. Tudo que, para mim, por dias, uma pequena pedra foi capaz de representar.

Psique: As maldições do futuro

Crédito: Metrópoles

Abstract interplay of clock symbols and graphic elements on the subject of time, technology, past, present and future.

O mundo se organiza de forma horizontal, invariavelmente estamos submetidos a escalas e hierarquias. Mas se tem algo justo de verdade, que nos iguala a todos, essa coisa é o tempo. Não há queixa que o acelere, nem desejo que o faça passar mais devagar. Estamos todos submetidos à implacável lei dos ponteiros.

A vida ocorre a partir de um ritmo próprio. Assim como na natureza, tudo segue um fluxo contínuo – não há saltos para marcar a transposição do tempo, tudo se dá em processo. No entanto, para dar conta do ordenamento dos acontecimentos, o homem convencionou uma divisão entre passado, presente e futuro. E é justamente a consciência de um futuro que complica as coisas.

Sempre que olhamos para frente, chamamos para perto duas companhias malditas: medo e ansiedade. O primeiro é um mal necessário à sobrevivência. Quando tememos algo que se aproxima, o que fazemos internamente é uma avaliação dos nossos recursos, para sabermos se estamos aptos para enfrentar ou fugir. Isso é instintivo, nos acompanha desde os nossos ancestrais mais remotos.

No entanto, a maior parte dos nossos medos vai além da proteção natural do instinto. Fala dos fantasmas que criamos para nos atormentar: tendemos a enxergar a vida mais complicada do que de fato é, pois nos acostumamos a medir nossa capacidade por baixo. Sempre que subestimo minha capacidade de transpor problemas, construo pontes longas e sinuosas para percorrer curtas distâncias. Medo paralisa, faz hesitar, adia decisões.

Outros, ao fantasiar sobre os fatos que se aproximam, acabam dominados por uma mescla de emoções, que compõem a ansiedade: impaciência, aflição, insegurança, precipitação. Assumem um estado de predisposição para reagir, mesmo que o momento não permita nenhum tipo de atitude.

E é justamente por isso que o quadro é tão sofrido: enquanto o objeto que deflagra o medo é delimitado, pontual, a ansiedade é difusa. Ela é como um carro de corrida com o acelerador pressionado, em frente ao ponto de partida, só que sem saber qual trajeto deve percorrer. A energia desprendida afeta intensamente a psique e o corpo. Essa é a porta para o estresse e, consequentemente, para o adoecimento.

Só sofremos tanto por esses fatores porque insistimos em querer manter um controle da situação. Não nos conformamos com a inevitável realidade: por mais que eu queira intervir no futuro, ele ocorrerá em decorrência de uma série de fatores. E grande parte deles não está sob nossa batuta.

Além disso, nos esquecemos de algo elementar: nosso amanhã será consequência do nosso hoje. Mais importante que uma prospecção bem feita é uma avaliação criteriosa do que somos agora. Confiar também faz um bem danado. Em si, nos outros, em Deus. Ter fé não é alimentar uma esperança vã de resolução instantânea dos problemas, livre de esforços. É apostar na nossa capacidade de transformação, e estar disposto a servi-la. Quando alcançamos esse estágio, tudo flui para um futuro bendito.

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Psique: Nutrição emocional para a boa saúde

Crédito: Metrópoles

nutrição

 

Uma vida saudável depende de bons hábitos alimentares: avaliar o que se ingere para saber como o corpo assimilará cada nutriente. Tem coisa que não cai bem, e precisa ser evitado. Outras, mesmo que não estejam na lista dos sabores favoritos, são necessárias para que o funcionamento se mantenha harmônico. Saiba o que comer para viver bem. Literal e metaforicamente.

Atenção para as fontes: a procedência faz diferença. Nem sempre podemos escolher os conteúdos que vamos consumir. Às vezes, as circunstâncias nos empurram coisas goela abaixo. Mas, quando estamos bem alimentados, essa perturbação não durará muito tempo. Logo saberemos ingerir algo que neutralize os efeitos prejudiciais da intoxicação. Para esses casos, um bom amigo pode ser o antídoto. Ele ajudará a metabolizar o veneno alheio, e até sustentará se tivermos de botar para fora o veneno que invade.

Perca as gorduras que limitam a vida. Ter um olhar providente é imprescindível para que não fiquemos rendidos. Mas não adianta querer fazer do acúmulo de recursos uma saída para a vida. Isso denuncia a falta de confiança no futuro: você não precisa de estoque de energia, você não ficará sem. Tudo aquilo que excede compromete tanto quanto a falta. Avalie, de forma leal, do que precisa para viver.

Mantenha atenção na firmeza dos ossos, para que tudo possa se sustentar bem. O esqueleto é a base mais firme, menos mutável, o radical da nossa existência. Representa nosso limite natural, nossa ancestralidade. Molda nossa estrutura, o formato que temos. Tudo aquilo que calcificamos na vida é osso: as heranças, os conceitos que cultivamos, nossas convicções. O mundo pode tentar entortar certas formas, mas temos de aprender a resistir para fortalecer.

Mas não se pode descuidar das articulações. A capacidade de flexibilizar é imprescindível para manter o movimento, a fluidez. Nisso, recomendo dois alimentos fantásticos: a dúvida e o argumento. Eles impedem a artrite da tirania. A escuta também ajuda muito, sem ela não conseguimos articular nada: um bom pensamento, uma boa relação, tudo depende da capacidade de troca. Isso revigora a gelatina que une nossos valores mais profundos.

Invista no desenvolvimento muscular, para ganhar a força necessária para os desafios. Fazer corpo mole diante das dificuldades atrapalha o organismo todo. A capacidade de enfrentamento tende a nos levar a desafios ainda maiores. Mas também às melhores recompensas. A primeira delas é de não sofrer tanto quando estamos diante dos pesos que precisamos carregar. Um bom suplemento: a coragem.

Para finalizar, ouça o que suas vísceras falam para você. Elas saberão falar das suas necessidades mais profundas, sinalizam de cara sobre aquilo que lhe fará mal e deve ser evitado. Confie. Também é das vísceras que virão aquelas salivações estranhas, que remetem a coisas bem específicas.

Um prato de mingau, com terno sabor de infância. Um acarajé apimentado, que transborda lascívia e paixão. Experimente o prato exótico, que você arrisca sem saber se o sabor agradará. Coma a fruta azeda, que te fecha o semblante, mas que evitará a contaminação de um agente nocivo. Em excesso, tudo isso pode fazer mal. Mas, às vezes, está neles o nutriente nos falta.

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