Self

Outras Ondas* – As serpentes sagradas

Na série mensal sobre orixás, abordo hoje Oxumaré e Euá, as serpentes sagradas responsáveis pelo dinamismo e pela renovação da vida.

OXUMARÉ

Originário do Daomé, é o grande orixá da nação Jêje-Mahi, onde recebe o nome de Bessém. É representado por uma grande serpente, que liga o orum (céu) ao aiyê (terra). Nessa conexão, ele também é o encarregado de trazer a água aos homens, a partir da chuva. Está associado assim à fartura e à riqueza: pensemos que, na aridez africana, a chuva é a maior dádiva que se pode ter, por propiciar a vida. Oxumaré também é representado pelo arco-íris e, como ele, representa a diversidade. Assim como uma cobra, Oxumaré tem a facilidade de adaptação às situações mais difíceis e faz questão de reinventar-se constantemente, como quem troca de pele. Tem a capacidade de ler a situação nas entrelinhas – por isso, miticamente, é visto como o grande babalaô (olhador de oráculos). A predileção por tudo que é misterioso, mágico, contribui com este fim.

Oxumaré conduz conflitos com sagacidade. É do tipo que não se iguala aos inimigos: planta situações para que a verdade se manifeste. Gosta, inclusive, dessa aura de mistério que envolve o seu nome. Comentários com sentidos dúbios e frases não-terminadas podem inspirar desconfiança no outro, que pode enxergar um tom de maledicência nos seus gestos, palavras e, principalmente, em seu silêncio. Tem um humor refinado, costumam ser despachados e interessantes.

Tem cargo de liderança, gosta do poder e não esconde a ambição. Elegante, oscila entre roupas extremamente sóbrias e acessórios chamativos e caros. Dotado de uma beleza andrógena, atrai pessoas de ambos os sexos e não tem tabus no que diz respeito à orientação sexual. É, definitivamente, um orixá marcante.

EUÁ
Se temos Oxumaré como o que traz a chuva à terra, temos em Euá o orixá que promove a evaporação da água de volta para o céu. Dona do céu avermelhado de fim de tarde e das estrelas, divide com Oxum a primazia sobre os olhos d’água e nascentes inexploradas dos rios. Nesse elemento da natureza, Euá manifesta uma de suas características mais marcantes: a virgindade e a pureza. Essa imagem imaculada, traduzida num excesso de recato e polidez, muitas vezes é usada para ocultar a natureza fria e intransigente, de língua afiada. Euá é, ao mesmo tempo, frágil e contundente. Uma bruta flor, de beleza exótica e encantadora.
Constantemente em refúgio, se transforma numa caçadora exímia. Como tal, aprende a lidar com a paciência e desenvolve um quê arredio ou reticente diante do novo, do ameaçador. Assim como Oxumaré, tem uma percepção extrassensorial grande, sendo tida como o orixá da vidência. Essa ligação forte com o mundo espiritual a transforma em uma pessoa devotada e preocupada com o bem-estar coletivo. Porém, se mal conduzido, essa predileção pelo misticismo poderá levá-la a desenvolver um olhar fascinado diante de Deus, ou até mesmo ao fanatismo religioso. Baseada nisso, entrega-se com facilidade aos votos de castidade.
A força e truculência do masculino é um fator perturbador para a virginal Euá: sente-se incompreendida pelos homens e, muitas vezes, mantém-se distante deles. Intransigente, pode sofrer com a responsabilidade das próprias decisões. Tende também a dramatizar os próprios problemas, como se eles fossem insuperáveis ou maiores que os de outrem. Mas, quando conquistadas, se transformam em “cobras de guarda” dos amigos, que não são tantos assim. É atenta e inspiradora.

Terceiro Milênio: Tarot Analítico

Replico aqui artigo de minha autoria sobre o método Tarot Analítico. O texto foi publicado na edição de fevereiro da revista Terceiro Milênio.

Tarot Analítico: o oráculo interpretado a partir da optica junguiana

O fascínio pelos oráculos é fruto da consciência do homem de que terá um futuro – o que pode ser uma dádiva ou um castigo a depender do momento e de quem observa. A prática oracular é ancestral e tem origem incerta. Acredita-se que surgiu a partir da observação de fenômenos naturais e da correlação destes mesmos acontecimentos com fatos da vida cotidiana. Com o tempo, passou a ser interpretada como tentativa de preleção do futuro e, posteriormente, como instrumento de orientação.

É seguro dizer que os oráculos tiveram uma participação ativa no papel de formação das civilizações e que estão presentes em todas as culturas. Junto com elas, os oráculos sofrem adaptações e atualizações – basta observar os inúmeros oráculos eletrônicos que temos na atualidade e a eficácia atestada por indivíduos que a eles recorrem.

O psiquiatra suíço Carl Gustav Jung, criador da Psicologia Analítica, estudou atentamente a participação da mística no funcionamento da psique. Naturalmente, encontrou nos oráculos um campo fértil de pesquisa, dedicando-se principalmente à astrologia e ao I Ching. Jung concordava que os instrumentos promoviam um diálogo franco com forças invisíveis. Mas, em vez de espíritos e gênios, ouvia nos oráculos a voz do inconsciente. Ao receber essa interpretação, os sortilégios ganham outra roupagem: se transformam em veículos interessantes ao processo de autoconhecimento.

O tarot, um dos oráculos mais populares no mundo ocidental contemporâneo, pode ser uma ferramenta eficiente para esse propósito. Ele corresponde a um mapa da jornada do indivíduo rumo à plenitude, construído a partir de imagens arquetípicas – padrões resultantes de todas as experiências humanas, partilhados por todos, e que são capazes de nortear nossos comportamentos, pensamentos e emoções. No momento em que um grupo de cartas é selecionado, temos a visão de um recorte deste mapa, capaz de nos situar sobre os conflitos que enfrentamos, a melhor forma a transpor tais barreiras e a recompensa atingida por este esforço. Pela óptica junguiana, quem nos dá esse indicativo é o Self, a representação da totalidade psíquica, a “centelha divina” que nos habita com sua sabedoria inata.

Essas são as premissas que usei para desenvolver o método Tarot Analítico, que mescla os conceitos da psicologia junguiana à leitura das cartas. A partir dos símbolos e mitos presentes em cada arcano, o consulente é chamado a refletir sobre os padrões emocionais, expectativas e negligências vividas no momento – e também sobre a participação de cada um desses aspectos na manutenção do problema, em vez da solução do mesmo. Ou seja, o tarot convida à autoanálise e, com ela, é capaz de promover a ampliação da consciência.

Enxergar o oráculo como uma chave para o autoconhecimento e desenvolvimento pessoal é, antes de tudo, confiar que podemos ser guiados com sabedoria por esse invisível – sendo ele chamado de Deus, de Self etc. O oráculo desmascara a nossa tentativa de controle exaustivo, mas também nos desperta a agir. Dá a clareza necessária para o entendimento da postura adotada diante dos nossos objetivos, e do que precisa ser feito para que possamos alcançá-los. Aprendemos a medir nossos medos e ansiedades. Entendemos sobre a verdadeira função dos outros em nossa vida, e vice-versa. Com ele, nos tornamos mais responsáveis pelo futuro que tanto desejamos.

(http://www.terceiromilenionline.com.br/105/tarot.php)

Outras Ondas* – A magia do Cisne Negro

Não faltam boas referências na mídia sobre o filme O Cisne Negro. Principalmente à atuação impecável de Natalie Portman, favorita ao Oscar de melhor atriz. No entanto, não me coloco aqui no papel de crítico de cinema, e sim de alguém que elogia e analisa a rica simbologia presente no filme. O dilema e o enfrentamento de Nina (Natalie) são indiscutivelmente uma das melhores referências que se pode ter sobre questões do complexo materno, a temática que apresento aqui.

Nina é uma bailarina de 28 anos que, apesar da idade, tem referências distorcidas da própria vida. Ela é extremamente sensível, mas também indefesa e infantilizada. Vive reclusa com a mãe, tendo na dança o trabalho e a única distração. Tem como meta a perfeição e, na tentativa de alcançá-la, mantém uma imagem extremamente polida e autocrítica. Tais características são estimuladas por essa mãe: uma bailarina frustrada, que deposita sobre a filha a responsabilidade de ter-lhe impedido o desenvolvimento na dança. Sua mãe não tem sequer um nome ou atributo que a diferencie do mundo: dialoga com rostos anônimos que pinta, numa tentativa de definir uma identidade.

A relação entre ambas é simbiótica. Nina se esconde na superproteção materna, e, em contrapartida, se submete ao abuso e a tirania. Nem se pode dizer que a filha tenha uma intimidade devassada: ela sequer tem direito a uma intimidade, ao viver em um quarto sem fechaduras. A mãe a despe sem pudores, vigia o seu sono, define planos a seguir. Nina, por sua vez, tem uma autoimagem distorcida, que se manifesta em sintomas. Tem uma urticária compulsiva (incômodo e negação à pele, canal de contato físico com os demais e também de estimulação erógena) e também apresenta rumores de distúrbios alimentares. Ambos são usados por essa mãe, como forma de impor o controle a partir da imagem de cuidado. Ela é o Cisne Branco, asséptico e imaculado, que nada nos lagos formados pelas lágrimas da mãe – assim como é no conto que deu origem ao balé O lago dos cisnes, que embasa a história.

Submetida a esse mundo, Nina desempenha um papel limitado diante da vida. Encontra expressão unicamente na dança e, sabiamente, é a partir da expressão artística que surge uma possibilidade de remissão desse quadro doentio. O diretor da companhia onde dança desperta Nina à necessidade de desenvolver atributos até então negligenciados, quando a convida a desempenhar um papel que é o seu avesso. Os homens tem um papel preponderante no desenvolvimento da mulher: é o que Jung chamou de animus, a parcela masculina que as habitam. O mesmo ocorre com eles, que contam com a anima como oposto complementar na psique. A conexão com esses elementos é feito a partir da projeção: enxergamos animus e anima nos homens e mulheres com quem convivemos.

No caso de Nina, o animus se manifesta no diretor, que assume o papel de herói (a captura da família e a leva para conhecer um novo mundo) e também de professor (oferece lições para seu desenvolvimento). Ele inicia essa jornada despertando-lhe a sexualidade, inerente ao papel do Cisne Negro e negada até então pela protagonista. Ele estimula a autoerotização (com a masturbação, o uso de maquiagem) e também a inspiração nas colegas de companhia, que traziam a dança de forma visceral e espontânea, a detrimento da técnica.

Nessas colegas, Nina vê projetada a própria sombra: tudo aquilo que não quer ou não se permite ser, mas que, nesse momento, é imprescindível para o desenvolvimento. Na medida em que ela se encoraja a encarar essa sombra, na tentativa de admiti-la e integrá-la, o corpo metaforicamente passa por uma mutação e incorpora os caracteres do Cisne Negro. O enfrentamento provoca dor e estranhamento: ela enxerga o próprio rosto em situações até então improváveis. Fica inevitável a ela reconhecer-se transgressora, forte e independente. Agora, pode confrontar a mãe devoradora e libertar-se dela.

O apogeu de Nina se dá na estreia do balé. Num confronto contra a própria imagem, ela crê ter destruído a sombra projetada no exterior. Mas agora o Cisne Negro a habita, reina em si, enquanto o Cisne Branco torna-se incômodo, artificial. No entanto, de tão intenso, o papel sombrio conquista o público. Ela está realizada e, ao avistar a plateia, só consegue enxergar a imagem da mãe, feliz e vibrante. Entende então que, desde o princípio, tudo o que ela lhe desejara era a felicidade, a realização e a plenitude que não conseguiu vivenciar. Nina consegue integrar em si o Cisne Branco e o Cisne Negro. Está confiante o suficiente para saltar rumo ao desconhecido. Só, então, percebe o sentido da perfeição.

***

“Para ser grande, sê inteiro: nada
Teu exagera ou exclui.
Sê todo em cada coisa.
Põe o quanto és
No mínimo que fazes.
Assim em cada lago
a lua toda
brilha, porque alta vive.”
(Ricardo Reis (Fernando Pessoa), 1933)

Outras Ondas* – Para que serve um sintoma

prometeu 

Comemoramos diariamente os avanços na área da saúde. Cientistas investem tempo e dinheiro em busca de diagnósticos cada vez mais precisos, apostamos em tratamentos complexos, acreditamos piamente nas medicações e nos dedicamo cada vez mais a uma vida asséptica como forma de prevenção. Esquecemos, porém, muitas vezes de enxergar que a causa das doenças está correlacionada às nossas emoções e afetos. Ignoramos a íntima relação existente entre a alma (psique) e o corpo (soma), base da abordagem psicossomática dos sintomas.

Males físicos causam neuroses, ou o contrário? Esse paradoxo tem como base a relação psicobiossocial que compõe a existência humana. O entendimento do homem como um ser complexo nos leva a crer que a separação entre corpo e mente é ilusória. O cientificismo é capaz de promover essa separação na teoria. Mas a prática nos mostra a grande interferência entre si. Trafegando entre os dois fatores, temos os sintomas como uma linguagem simbólica de expressão. Jung dizia que os deuses mitológicos não estão mortos, mas que eles se transformaram em sintomas. A partir da análise dos mesmos, conseguimos encontrar grandes paralelos entre eles e os desajustes psíquicos que carregamos.

A doença funciona, então, como um caminho para que aspectos inconscientes ganhem expressão e possam nos levar a um desenvolvimento psíquico. Ou seja, toda doença tem em si uma finalidade. O estudo da psicossomática ficou estigmatizado como uma interpretação subjetiva dos sintomas, ou seja, quase um oráculo para interpretar distúrbios interiores a partir das marcas presentes no corpo. Obviamente, isso tem o seu valor. Mas é a último estágio da cadeia. O olhar da psicossomática busca reintegrar o homem em seus diferentes aspectos, e, a partir daí, ampliar-lhe a consciência para que possa manter esse estado de integração. Exercita a atenção plena no ser inteiro/integral/holístico como fórmula de bem-viver.

A forma como a psique se expressa a partir do corpo tem forte ligação com a maternagem que recebemos na primeira infância, especialmente até os dois anos. Essa é a fase onde desenvolvemos o cerne da personalidade, da forma como aprendemos a lidar com nossos afetos e emoções. Nesse período, a ausência de linguagem na criança faz com que ela se vincule estritamente à mãe (ou a quem exerça esse papel). A ligação entre elas é simbólica, linear. Ao expressar-se, a criança aguarda uma resposta similar da mãe. Quando não se vê correspondida e acolhida o suficiente, ela poderá cristalizar essa experiência. Isso gerará uma dificuldade na elaboração abstrata das próprias emoções durante toda a vida. Em vez de enfrentar internamente as dificuldades emocionais, ela necessitará de vivências concretas ou sintomas para aprender a lidar com as próprias emoções.

Geralmente, as pessoas que apresentam uma maior tendência à somatização têm características bem definidas. São pessoas com baixa capacidade imaginativa, com déficits criativos e baixo poder fantasioso-construtivo (quando tentam prospectar o futuro de uma situação, não conseguem fazê-lo ou o fazem com pessimismo). Também tendem a uma busca incisiva pela normalidade: querem encontrar uma forma de sentir-se similar aos demais e tendem a querer investigar a fundo a origem dos males que sentem. Quando questionados sobre os próprios sentimentos, têm dificuldade ao tentar diferenciá-los entre si e podem enfrentar períodos de “apatia emocional”. Numa investigação mais elaborada, costumam narrar problemas com a mãe, com histórico de abandono ou negligência.

Mais que uma interpretação de sintomas, a psicossomática ocupa-se principalmente de uma tentativa de remissão das causas psíquicas que ocasionam as doenças. Quando damos a atenção devida aos núcleos inconscientes causadores das patologias, a energia que os mantém perde o fluxo e, vazios, eles perdem a autonomia. Ao olharmos para dentro, promovemos uma espécie de medicina profilática ao corpo. Ao encararmos as doenças como alternativas psíquicas para nosso desenvolvimento, aprendemos a perdoar o sintoma. E entendemos que eles são, na verdade, ferramentas para que possamos nos perdoar e evoluir.

***

Dedico esse texto ao pediatra e homeopata Oswaldo Cudizio, meu professor de Psicossomática, responsável por promover em mim muitas dessas reflexões.

Outras Ondas* – Os quatro elementos

Água, fogo, terra e ar. Para diferentes tradições filosóficas e esotéricas, esses seriam os pilares para tudo o que há no mundo. Foi o filósofo siciliano Empédocles de Agrigento que formulou, em 450 a.C, a primeira concepção de divisão do mundo em quatro elementos básicos. Eles se combinariam por relações de amor e ódio, atração e repulsa. Dessa forma, propiciam condições para o surgimento dos elementos secundários: eis o mistério da criação.

Essa divisão está carregada de um alto valor simbólico. Cada elemento traduz atributos particulares, fortemente arraigados na forma como interagimos com o mundo. Não é à toa que eles ajudam a ilustrar tipologias psicológicas e mitológicas – estruturas usadas para a compreensão do eu.

A água tem natureza feminina e está associada às emoções, a criação e à maternidade. É o elemento marcado pela plasticidade e pela passividade: adapta-se em diferentes formas, mas necessita de um receptáculo para que não se esvaia. Tem uma forte ligação com o inconsciente, sendo muitas vezes usadas por ele para representar-se em sonhos. Na tipologia junguiana, a água corresponde à função sentimento. Com ela, atribuímos valores ao que nos cerca a partir das referências prévias que temos. Rege os signos de câncer, escorpião e peixes.

No tarot, está associada principalmente ao arcano da Papisa (2), com o qual somos chamados a vislumbrar o reino interior, a sede dos nossos sentimentos. Muitas vezes, quando estamos sob a influência dessa carta, somos “inundados” por emoções ou nos damos conta do quanto negligenciamos o que se passa “por dentro”. A água também está ligada às rainhas de todos os naipes: são elas quem nos apontam como o sentimento está sendo vivido e ensinam sobre qual a melhor maneira de atribuir valor aos acontecimentos. Também está associada ao naipe de copas, que fala das nossas predisposições emocionais e do “colorido” que damos à vida.

O ar está relacionado à razão e é essencialmente masculino. Tem uma forte relação antagônica à água: é quem rege a decisão prática e pragmática. É frio e seco, mas também resoluto. Tudo isso nos leva a associá-lo com o patriarcado, quando nos apartamos do acolhimento materno e passamos a atuar de forma mais ativa no mundo. O ar nos ensina sobre o valor dos limites e do foco preciso. Jung associa o ar à função pensamento, que predomina nos indivíduos que enxergam a realidade de forma direta, objetiva, conceitual e lógica. Está relacionada a gêmeos, libra e aquário.

O naipe de espadas está intimamente ligado ao ar. É nele que se expressam os padrões arquetípicos de pensamento e ação: da relutância à precipitação, da apatia à teimosia descabida. Com as cartas de espadas, avaliamos como está a nossa capacidade de observar o mundo como em sua realidade. Talvez por isso seja interpretado por muitos como um naipe “seco”, “duro” e “doloroso” – e o é, na medida que nos ensina a viver a praticidade em vez do devaneio. O ar também está associado aos reis: os responsáveis pela decisão final, pela concretização dos planos. Nos arcanos maiores, é representado com ênfase no Imperador (4), que nos tira da égide passiva do feminino para desenvolver uma postura ativa, pautada na razão.

É a partir do elemento terra que nos conscientizamos da dimensão primitiva que nos habita. Sendo o mais concreto de todos os elementos, ele nos ensina sobre os limites e potências do corpo – da fome ao tesão, da dor à resistência. É aquele que está associado à capacidade de multiplicar e produzir. Entre as funções psicológicas, a terra se associa à sensação – aquela que nos leva a perceber o mundo a partir dos órgãos dos sentidos. Taurinos, virginianos e capricornianos sentem diretamente a influência deste elemento.

No tarot, vejo a terra na imagem da Imperatriz (arcano 3), a que nos nutre com múltiplas possibilidades e que se nutre com as riquezas do mundo. O elemento está relacionado ao naipe de ouros, que nos apresenta os a forma como lidamos com valores materiais: o corpo, o dinheiro ou o sexo. Vejo a terra presente nos cavaleiros: aqueles que trazem somados a si os desejos e instintos animais, dotados de forma física diferenciada, sempre em busca de realizações.

Para finalizar, temos o fogo. Ele é o grande elemento diferenciador na alquimia, por ter a capacidade de transformar tudo e todos que por ele são atingidos. É responsável pelo expurgo de impurezas e também pelo refino das substâncias: apura e revela a essência. É imprescindível para a manutenção da vida, fonte infinita de energia. Curiosamente, é o único elemento que só se valida na existência dos demais: não há fogo sem água, ar e terra. Na teoria junguiana, está associada à intuição, a mais incompreendida das funções psicológicas. Ela fala da percepção inata, não lógica ou temporal, que nos remete ao enxergar uma situação “do fim para o começo”. Na astrologia, rege os signos de áries, leão e sargitário.

No tarot, as cartas nutridas pelo fogo falam do entusiasmo que temos para conduzir a vida. Fala das grandes ideias, e, naturalmente, do empenho necessário para concretiza-las. O Mago (1) é uma carta que expressa bem o ideal inovador que o elemento inspira. Está associada ao naipe de paus, que rege as grandes transformações da vida, a espiritualidade e a capacidade de renovação. Também surge a partir da imagem dos pagens: o pueril, repleto de criatividade e sede de conquistas, que, apesar de um quê de irresponsabilidade, traz consigo o cerne da mudança e da renovação.

nivas gallo