Self

Outras Ondas – Receita contra dor de amar

Amor se mata à míngua. Não dê comida, vitaminas, água limpa para beber. Não acredite, não ligue, não procure. Não dê sinal. Não faça nada, sequer pense em quem ama, para evitar evocações pelo pensamento. Não escute as músicas, não revisite os lugares, não trate dos assuntos que compartilhavam. Esqueça o perfume, o cheiro do corpo, os raios da menina dos olhos, o tom da voz, a graça do sorriso, a firmeza das mãos no caminhar pela praça.

Aos poucos, vai ver que o fervilhar interno do contentamento das boas lembranças será consumido, meio que às dentadas. O sal amargo do choro preso na garganta surge como efeito colateral. Incomoda nos primeiros dias, como o arranhar ardido de uma faringite. Mas é só engolir incessantemente e logo cessará. Só torça para não descer para o peito, para não comprometer as artérias. Nem para os rins – lá as lágrimas se cristalizam. Pode ficar sério. O estômago pode ajudar a digerir, mas nem todo mundo tem estômago para isso.

Descontamine-se do amor pela assepsia da negação. Assim você se liberta. Não vai sofrer, não vai chorar, não vai desejar, não vai esperar, nem sentir saudade. Não ansiará o reencontro, o calor de mais um beijo, a delícia das peles nuas que se entrelaçam em plena entrega. Defenda-se desses cúmplices da infelicidade que, um dia, certamente surpreenderá.

Até lá, viva com o que a vida der. Ela costuma ser generosa em suas esmolas. Duas ou três cores para escolher, dois ou três sabores para desfrutar, dois ou três caminhos para decidir. Faça o possível para ver que isso já é vida o suficiente. Creia nos riscos da vastidão.

Para isso, é necessário que se esqueça o bom daquilo que viveu ao conviver. Silencie as vozes por ele acordadas, as sensações experimentadas, as emoções evocadas em toda a sua intensidade. E, com isso, despeça-se também da alma que o amor fez crescer em si.

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Eu já conheço essa dor, não tem nada de inédito. De onde veio, como funciona, o que limita, em que posição dói mais. Sei que dificilmente respeitará um dia, uma hora ou um lugar para aparecer. Nisso ela pode surpreender: parecerá sempre mais aguda em seus sintomas, nos levando a crer que, dessa vez, é o caso é mais grave.

Tentarei aliviá-la com movimento da língua, pela fala e pelo beijo, mesmo sabendo que esse esforço será em vão essa dor só se despede ao se esvaziar. E, até lá, goteja um mel do bom que não voltará, junto a um amargo seco, o pior dos vermutes: a dor do querer e não poder ter. Tudo vem em pingos lentos, como os dos remédios fortes quando correm para as veias quando somos acometidos pelos piores males. Sê para não vazar os canais, para não extravasar as mágoas antigas. Machuque, mas não mutile.

Dor de amor é uma coisa muito séria. Já duvidei de seu poder letal, e quase perdi a aposta. Hoje, respeito-a como respeito a morte. E não é por medo: é por tudo que ela pode vir a fazer de bom e de ruim. Essas linhas são preenchidas com o resultado dela – assim como ela ajuda a me preencher a alma. Tenho de ser e sou grato à dor do amor – como também o sou a quem a ela presta homenagens, em seus versos, melodias e imagens. Ela tem o poder de fazer da gente ainda mais gente, ela é quem nos apresenta a verdade do que somos. 

Outras Ondas: Como fazer um amor

Olhar, gostar, desejar, e, se houver correspondência, ficar, vincular, manter, aprofundar. Parece uma matemática simples, mas, na prática, desenvolver uma relação não é algo tão cartesiano assim. Deveria ser, mas não é. Temos uma tendência natural às complicações, uma vez que as nossas decisões são, na verdade, uma concessão realizada pelos complexos afetivos que nos constituem e povoam. Ou seja: nossas experiências acumuladas, e as devidas emoções a elas atribuídas, ditarão as formas como cada um conseguirá se relacionar. E cada psique vai operacionalizar a construção de um amor como um empreendimento particular.

Os mais desejados, e invejados, são aqueles ditos amores espontâneos: surgem de uma forma despretenciosa, mas, na medida em que se moldam, se transformam em obras inovadoras, criativas. São Monalisas, Guernicas, Girassóis, Nascimentos de Vênus: únicos, indiscutíveis, marcantes, definitivos, sem modelos nem ensaios nem comparações. Influenciam os demais, mesmo sem que se proponham a isso. Almejamos sempre obras primas, mas quase nunca somos capazes de produzi-las de fato.

No mundo contemporâneo, parece que a moda não é construir uma arte própria de amar – e sim lançar mão de algo que preencha as paredes da alma. Espalhamos pelas paredes uns Romeros Britos comprados em feiras de artesanato. Não por gostarmos deles, mas porque parecem que estão em alta. E também por atenderem o propósito de colorir a parede branca, que estampa a nossa angústia existencial. Somos fatalmente sozinhos, e, mesmo assim, tememos nos deparar com a nossa própria companhia. Preferimos vozes dissonantes e que pouco acrescentam, a ouvir aquilo que a alma ecoa. Em tempos em que tudo parece estar conectado, estamos cada vez mais desarticulados das nossas verdadeiras necessidades. E, consequentemente, perdemos a habilidade de cultivar amor.

Há também os amores artesanais, que vão sendo construídos aos poucos. Nutrimos expectativas em torno de seres, adornamo-nos com os nossos mais valorosos recursos, tentamos dar a eles as melhores características. Burilamos e entalhamos como uma peça da mais fina porcelana. Vemo-nos já em uma posição de destaque na nossa casa, como um vaso secular da Dinastia Ming. O preço da idealização é de, muitas vezes, ao colocarmos a peça no forno, encontramos um resultado muito diferente do imaginado: o calor mostrou que faltava amálgama à argila, revelando trincas e tortuosidades. Algumas vezes, ainda fazíamos como os antigos chineses, que preenchiam as fissuras com ouro, na tentativa de salvar o investimento valorizando-o ainda mais. Outras vezes, a própria peça não aceita tal intervenção, esfacelando por completo ao primeiro toque. Resta começar novamente.

Há ainda as relações patchwork, daquelas que tentamos articular peça por peça, encontrando nesse mosaico os fragmentos que mais ornam na constituição de uma harmonia. Sim, pois a perfeição não existe, temos de lidar com imperfeições que levam a um resultado aproximado, mas ainda distante daquele que idealizamos. Talvez, das técnicas, essa seja a que mais traduza a arte do amor possível, daquele que vivemos de fato, distante das idealizações ou negações excessivas. Feliz de quem encontra outras duas mãos dispostas a trabalhar com o mesmo propósito.

Triste mesmo é quem se vê inábil para qualquer tipo de construção: acham que toda e qualquer tentativa de obra sairá torta, errada, insuficiente, feia. Em geral, tem nessa forma de vida um desdobramento da história que viveram: sem boas referências, não foram estimulados a arriscar diante do outro e mantêm, num esboço mental, a nota de que nada de bom vingará. Temem as críticas do outro, a incapacidade de execução de uma obra iniciada, a falta de recursos para mantê-la em desenvolvimento. Afastam a possibilidade de desenvolver o talento de amar, uma vez que não se familiarizam com os pincéis da alma. Acabam por atrofiar as possibilidades, evadindo-se inclusive dos convites de quem se dispõe a conduzir-lhe a mão até que o traço se faça mais firme, mais seguro.

O velho Jung nos ensina que, no terreno do amor, o maior dos erros que podemos cometer é tentar manter uma relação experimental, como quem aposta pouco para não ter prejuízo. São palavras que adoro, e que tenho buscado entender, vivendo-as cada vez mais. Talvez por isso não tenho poupado matéria prima quando o assunto é amar. Tem sido um exercício de coragem.

“O amor tem mais que um ponto em comum com a convicção religiosa: exige uma aceitação incondicional e uma entrega total. Assim como o fiel que se entrega todo a seu Deus participa da manifestação da graça divina, também o amor só revela seus mais altos segredos e maravilhas àquele que é capaz de entrega total e de fidelidade ao sentimento. Pelo fato de isto ser muito difícil, poucos mortais podem orgulhar-se de tê-lo conseguido. Mas, por ser o amor devotado e fiel o mais belo, nunca se deveria procurar o que pode torna-lo fácil. Alguém que se apavora e recua diante da dificuldade do amor é péssimo cavaleiro de sua amada. O amor é como um Deus: ambos só se revelam aos seus mais bravos cavaleiros” (Civilização em transição, 2007, p. 108).

Outras Ondas : O dever de ser

Um grande paradoxo se estende para a existência humana: encontramos nas relações estabelecidas com o outro a melhor forma de nos reconhecermos como únicos e de sermos fiéis ao que somos. No contato que estabelecemos com o mundo exterior, percebemos as virtudes e limitações – uma alquimia de fórmula exclusiva, que rege cada ser.

No entanto, em grande parte das situações, estabelecemos relações fundamentadas numa verdade limitada: fixamo-nos em papeis preestabelecidos, nos quais nos sentimos seguros, por inspirarem uma maior aceitação do outro. Em nome da possibilidade do vínculo, abrimos mão de uma pluralidade. Colocamo-nos disponíveis a viver personagens e convenções, sem perceber que eles – mais cedo ou mais tarde – se transformarão na nossa maior condenação:  tornamo-nos escravos  de uma parte de nós mesmos.

Em geral, esses papeis têm origem em uma verdade: de fato, eles constituem uma parte nossa. Costumam partir de virtudes, que oferecem bons resultados, orientam boas decisões. Inspiram a sensação de sermos reconhecidos e desejados. E é aí que o perigo se esconde. A insuficiência das relações fugidias, em profusão no mundo contemporâneo, desperta um afã na possibilidade de um vínculo mais aprofundado. Topamos hipertrofiar um personagem bem quisto para crescer em aceitação no grupo: ele é colocado para trabalhar com prontidão, disponibilidade e eficácia. Fazemos o necessário para tornamo-nos inesquecíveis, indispensáveis – não pelo que somos de fato, mas pelo que podemos oferecer ao outro. E, assim, geramos expectativas e demandas na sociedade, na família e entre amigos.

Aos poucos, o artifício ganha força e passa a dominar as relações. Dificulta e chega a impedir vínculos de outra natureza. Mesmo percebendo o mal que isso nos gera, sentimos uma grande dificuldade de romper com a dinâmica estabelecida: tememos a possibilidade de perder o alimento afetivo, a atenção arrebatada do outro. Ficamos submissos, escravizados. É um vício.

Manter a atenção sobre esse conflito é altamente angustiante. Muitas vezes, torna-se mais ameno dissimular a questão sob o argumento das convicções. “Sou assim, é a minha natureza.” Minimizamos o prejuízo com argumentos infundados, como se devêssemos satisfação ao outro por nossas escolhas. Sim, até nessa atitude a finalidade está projetada do lado de fora, distante da alma.

Sendo esse vínculo alicerçado em expectativas, mais cedo ou mais tarde o indivíduo se sentirá no direito de cobrar pelos “serviços prestados”. E, na grande maioria dos casos, o interlocutor não se sentirá devedor. De fato, não o é: foi a sua pronta disponibilidade que levou o outro a usar seus talentos de forma abusiva. A relação traduz a sua natureza objetal, onde o sujeito não é reconhecido pelo que é e sim pelo que pode propiciar. A falta de recíproca leva à frustração, à sensação de tempo e energia perdidos. É grande o risco de que os vínculos anteriores sejam substituídos por outros, ainda mais perniciosos. Ancoram mágoa, ressentimento, rancor e outras toxinas emocionais. Muitos deprimem ao perceberem o erro cometido: em nome do outro, perdeu-se de si.

Ao construirmos numa imagem uma pedra de porto, mantemos distância da maior das virtudes: a capacidade de transformação. A vida é movimento. Estancar-se é limitar em si a capacidade de reinvenção, de enfrentamento às adversidades – ou seja, de crescer na diversidade e na adversidade.  “Viver é muito perigoso (…) O mais difícil não um ser bom e proceder honesto, dificultoso mesmo é um saber definido o que quer, e ter o poder de ir até o rabo da palavra”, Guimarães Rosa.

Yahoo: Namoro à distância pode dar certo

O Yahoo me convidou a participar de uma reportagem sobre namoro à distância. O resultado é este aqui: 

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Namoro à distância pode dar certo: confira dicas

Encontrar o amor da sua vida não é fácil – e fica ainda mais difícil quando o amor mora longe. Veja sugestões de quem passou por essa situação.

Por Leonardo Meira | Yahoo! Contributor Network – ter, 9 de out de 2012

 

Encontrar o grande amor é o sonho de muita gente. Missão nada fácil, vale a pena ressaltar. Além das tradicionais diferenças de temperamento e a busca do equilíbrio entre posições contrárias, outro ingrediente entra na história quando o cupido resolve flechar um coração longínquo: a distância.

Superar os obstáculos impostos pela localização geográfica é desafiador, mas há quem enfrente a parada e queira seguir com o relacionamento nessa condição. Aí, é preciso definir alguns critérios a se levar em consideração na hora de avaliar se o romance à distância tem chances de ir adiante.

De acordo com o psicanalista junguiano da Self Terapias (Brasília-DF), João Rafael Torres, deve-se destacar se o namoro “nasceu” à distância ou se essa foi uma contingência posterior. Além disso, seria interessante pensar se a distância é temporária ou não. “Um relacionamento iniciado nesses moldes pode oferecer grandes riscos. O primeiro deles é a projeção, ou seja, a pessoa não se apaixona exatamente pela outra, e sim pelo que queria que ela fosse. Por esse motivo, muitas vezes, quando o casal se conhece, o encanto termina. Na verdade, percebem que o romance era fundamentado numa idealização, e não na realidade”, explica.

Agora, se a distância for temporária ou acontecer após um relacionamento já instituído, a coisa muda de figura. “Nesse caso, o envolvimento preexistente será definitivo para superar a ausência do outro. Vejo três fatores fundamentais para o êxito: a confiança, a verdade e a troca. O casal tem de alimentar a cumplicidade a partir dos meios que lhe são pertinentes: internet, viagens curtas, etc.”, ressalta Torres.

Confiança é quase um mantra entre os especialistas quando o assunto é namoro à distância. “Pessoas inseguras, com baixa autoestima, dificilmente conseguirão levar adiante um namoro à distância”, complementa a coach de qualidade de vida (life coaching), Vanessa Versiani. Ela salienta que imaginar cenários negativos enquanto o companheiro está longe, como a possibilidade de estar com outras pessoas, só faz mal à relação. “Também é bom que ambos tenham disponibilidade para viajar periodicamente para se ver pessoalmente, pois o convívio pessoal é saudável para a relação”, receita.

 

Superar os problemas

Confiança e saudade costumam ser os maiores problemas em relações nesses moldes. A troca leal de informações é ingrediente fundamental para que o relacionamento se mantenha vivo. “O outro precisa fazer parte de seu cotidiano, dentro do possível. A verdade ajuda a validar o sucesso da história. É importante que o casal possa definir, claramente, quais limites serão respeitados. A lealdade é um pilar para qualquer relacionamento, presencial ou à distância. O problema não é uma traição em si, mas o engano”, opina João Rafael.

Se a distância é “problema”, a solução é procurar as facetas boas dessa realidade. Para o psicólogo clínico Odair Comin, a ênfase na conversa pode fazer com que o casal se conheça mais profundamente. “Muitas vezes, no convívio físico, isso não é possível. Os casais estão sempre voltados para atividades juntos, mas com direcionamento para o externo. A distância física pode possibilitar a proximidade emocional, um envolvimento maior com a visão mental do outro, de tal forma que isso preencha os espaços que a distância impõe”, acredita.

Mas, e quanto aos impactos da distância quando vier o próximo passo, que seria a vida a dois próximos fisicamente? “Aí vem a questão: ‘Onde vamos morar?’. Acredito que deva se utilizar o bom senso, o que será melhor para os dois. E nisso entra o que o casal valoriza, que pode ser a questão financeira, a qualidade de vida, mais oportunidades, o que será melhor para os filhos, etc. Enfim, é uma decisão a ser tomada em conjunto e que deve beneficiar a ambos”, avalia Comin.

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Outras Ondas – A culpa que somos nós

Todo pensamento, desejo ou ação tem suas consequências. Toda negligência, também. Por muitas vezes, tentamos ignorar essa premissa de base. Mas ela também ignora essa nossa vontade. Funciona por si só. As consequências denunciam à consciência os erros cometidos na vida. Uma vez conscientes das falhas, brota na alma um dos sentimentos mais controversos que se pode cultivar: a culpa.

Podemos compará-la a uma espécie de cicatriz que inviabiliza a plenitude dos movimentos no presente. É o referencial de uma realidade mal sucedida que, na fantasia, deve ser reparada ou ressarcida para que a vida tenha continuidade. Uso deliberadamente o termo fantasia, pois tal reparação só poderá se dar no campo do imaginário. O tempo não permite um retrocesso para que tomemos a melhor atitude, para que evitemos o dano. Ou seja, a culpa aparece como um feto natimorto: apesar dos esforços gestacionais, não oferece nenhum alento ou capacidade de transformação. Apenas frustra, dói, imobiliza, cerceia.

A imagem de maternidade é interessante por diversos motivos. A começar, pois a marca primordial da culpa desponta no nascimento. As dores e restrições do parto (e do pós-parto) ensinam todo filho a assumir uma postura de dívida em relação à mãe, pela própria vida. Débito este que, a depender da maturidade materna, poderá ser amenizado ou agravado. Ademais, as questões de maternagem também acabam por ser uma fonte inesgotável para reforçar essa dinâmica. A culpa é da mãe, como nos ensina Freud, tem grande valia e se desdobra em diversas facetas: a culpa de uma suposta insuficiência no papel materno, a culpa que advém do vínculo simbiótico entre mãe-filho, a culpa da transferência da atenção devida à mãe para outros agentes, a culpa (do filho) por nunca conseguir restituir o esforços e a abnegação materna…

Podemos pensar nesse sentimento a partir de duas modalidades. A primeira é residual, herdada a partir dos valores aos quais fomos expostos e que nos condicionaram a partir das vivências familiares. Envolvem um complexo sistema de crenças, que envolve questões morais e religiosas. No desenvolvimento da personalidade, conseguimos até substituir parte dessas crenças – apesar de muito arraigadas. A outra classe de culpa é a que adquirimos a partir das nossas próprias escolhas, sendo assim autoimposta. Ou seja, é a traição ao que decidimos acreditar ou viver. E, como tal, pode propiciar um peso extra.

Culpamo-nos por aquilo que fizemos de errado, mas também por aquilo que os outros consideram como um erro. Ou seja, damos a permissão para sermos medidos com uma régua que não é a nossa, por parâmetros que não atendem minhas possibilidades, expectativas e potências. Pouco importa sobre a forma ou sobre a origem, toda culpa gera o mesmo mal estar. E, como tal, precisa ser interpretada como uma inutilidade.

Há quem pule para retrucar, dizendo que as experiências do passado são úteis para que não repitemos os mesmos erros. Concordo plenamente. Se há uma validade no que ficou para trás, será essa: o aprendizado, a chance de fazer diferente, de renovar-se. Mas isso não deve ser uma justificativa para que condicionemos nossos passos a uma realidade estagnada – ou, o que é pior, a algo que poderia ter existido, mas nunca existiu. Idealizar o passado ideal, as falas ideais, não nos afasta das consequências da precipitação ou do despreparo. Muitas vezes, em análise percebemos que o evento que gerou a culpa foi exatamente o que poderia ser naquelas circunstâncias. Ou seja, fazemos simplesmente o que conseguíamos fazer, fomos quem poderíamos ser. E ninguém pode ser acusado ou punido por ser insuficiente, desde que não haja a má fé.

(continua)

nivas gallo